A economista indecisa em um domingo diferente

salariominimoUm domingo diferente, foi a sensação que tive ao acordar hoje cedo. Dia de mudar o Brasil? Não sou mais tão romântico assim. Já fui, confesso. Hoje, entretanto, fui contaminado pelo vírus do pragmatismo. Um domingo diferente porque era o dia de manifestar o sagrado direito de votar. Mas não apenas isso: era dia de tirar o governo atual do poder. A eleição desse dia 26, afinal, começou há muito tempo para mim. Para ser mais preciso, começou logo após terem se desenhado os dois principais candidatos a presidente da eleição anterior. Afinal, Serra ou Dilma, para um economista, eram a mesma coisa: o início da volta à macroeconomia tropical dos anos 60. Diferenças pontuais teriam se seguido, acaso Serra lá hoje estivesse. Mas teria também minha oposição, como teve Dilma ao longo dos últimos quase quatro anos.

Aliás, foi graças à presidente que decidi voltar a escrever nesse espaço. Em março de 2011, tão logo o governo atual se ajeitava no poder, eu voltei a por a pena entre os dedos. Após toda a sorte de incentivos de política econômica [monetária, fiscal e parafiscal], a economia brasileira crescera 7,5% em 2010. Convenhamos: crescimento desse jeito só se for contra uma base muito fraca [verdade] ou se for anabolizada [também verdade]. Não dá para o país crescer nesse nível sem gerar desequilíbrios [novamente, verdade]. Era, afinal, o que ficaria claro nos anos seguintes: o crescimento de 2010 foi mais um ponto nos ciclos políticos que tanto experimentamos em nosso país.

Desde então tenho analisado a tal macroeconomia tropical do governo Dilma. Nada muito novo, para minha decepção. Um arranjo vintage, foi o que entendi quando fiquei sabendo dos pilares da nova matriz econômica, ao final de 2012. Afinal, quer coisa mais velha do que querer mudar juros e câmbio por decreto? A História brasileira está cheia de episódios como esse, em que a vontade do comandante em chefe parece ser mais importante do que décadas de ciência. Como, desse modo, não ser oposição a tudo isso que está ai?

Não cansarei o leitor, entretanto, de todos os passos de minha oposição a esse governo. Não sou importante a tal ponto e também está tudo documentado nesse espaço, para os que se dispuserem a entender os equívocos dilmistas - é o caso de servirem para uma "cpi da inflação", me disse outro dia amigo de longa data. Para hoje apenas lembrarei da última pergunta do debate da rede Globo. De uma colega de profissão, que estava indecisa sobre quem votar.

Elisabete Costa Timbó, 55 anos, desempregada. Queria saber quais as propostas dos candidatos para que pessoas como ela, na sua idade, mas plenamente qualificadas, pudessem permanecer no mercado de trabalho. Difícil, eu sei. E também não tenho resposta satisfatória, como não tiveram Dilma ou Aécio. Certamente, entretanto, não mandaria Elisabete fazer um curso do pronatec, como fez a atual presidente. Talvez dissesse que o melhor é fazer a economia crescer, meio que concordando com Aécio Neves. Afinal, com a economia crescendo 0%, difícil empregar economistas de qualquer idade, não é mesmo?

O drama de Elisabete, afinal, não é só dela: é de todos os profissionais qualificados que estão desempregados. Como mostra o gráfico que ilustra esse post, a geração líquida de vagas formais está, hoje, concentrada em empregos de 1,5 salário mínimo. A indústria tem demitido ao longo de todo o ano. Só quem contrata no país, ainda, é o comércio e serviços em geral, mas apenas para salários mais baixos. Entende-se, desse modo, porque Elisabete não encontra refúgio no mercado de trabalho. É o caso da colega de profissão mudar de carreira? Fazer um curso no Senac, por exemplo, e ir para alguma área que ainda emprega? Provavelmente não, leitor, seja pelo absurdo evidente da proposta da presidente, seja pela tendência decrescente mostrada no gráfico também para salários menores.

Comércio e serviços mantiveram vigor um pouco maior que a indústria nesses anos, dado que não sofrem a competição externa. Enquanto a indústria compete com produtos de todo o mundo, é difícil ir cortar cabelo ou fazer as compras do mês no exterior, não é mesmo? Esse aspecto dos serviços permitiram que o setor se beneficiasse mais do que a indústria daqueles incentivos de política econômica que citei. Mas, com o aumento do endividamento das famílias e o menor crescimento dos salários, essa proteção contra a competição do exterior não será suficiente para que o setor se mantenha incólume a despeito do baixo crescimento da economia. As pesquisas de alta frequência já indicam que o setor sofre como todos os outros. Logo, em breve e se nada for feito, a geração líquida de emprego no setor também deixará de ser positivo. É precisamente isso que já mostra aquela tendência de queda do gráfico.

Melhor, portanto, é abandonar o atual regime de política econômica. Voltar ao tripé macroeconômico [superávit primário, câmbio flutuante e meta de inflação], aprovar reformas estruturais e reduzir a intervenção do Estado na economia. Isso aumentaria investimento e produtividade, o que em um ambiente com baixa procura por emprego, traria maior crescimento econômico.

Mas isso, leitor, é só o economista, que não está indeciso há muito tempo, falando. Não sei o que o Brasil irá decidir. Se acaso optar por continuar, também continuarei: na crítica ao atual governo. Se optar por mudar, continuarei tentando entender a economia. O importante a ressaltar é que após ler o jornal e tomar um descansado café da manhã, fui votar com absoluta tranquilidade e sem maiores transtornos. Não pude, claro, deixar de lembrar dos irmãos venezuelanos, que ao invés de usarem a biometria para votar, a usam para comprar comida. Mas isso já não é assunto para hoje, não é mesmo? Hoje só comemoro a democracia.

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