Excesso de rúcula

A rúcula é um ingrediente extraordinário. Serve para encorpar pratos com ingredientes mais suaves. O problema da rúcula é sua virtude: o paladar forte exige parcimônia no uso. Fora do ponto, mesmo um prato com ingredientes selecionados, pode desandar. A rúcula rouba a cena, desarmonizando o prato, ortogando a todos os outros componentes o título de figurantes. A rúcula, a propósito, leitor, me faz lembrar os instrumentos fiscais à disposição do governo: o gasto, do lado da demanda e o imposto, do lado da receita. Tanto quanto a rúcula, o que chamamos pelo pomposo nome de política fiscal também deve ser usado com parcimônia. Em excesso, a elevação dos gastos do governo compromete o trabalho do Banco Central, reduz o potencial de crescimento, gera mais inflação e aumenta o déficit em conta corrente. Tal como a rúcula, política fiscal fora do ponto compromete a harmonia dos outros, relegando-os à segunda classe.

A rúcula deve ser calmamente dosada, até o ponto em que realce o sabor do prato, permitindo que todos os outros ingredientes façam parte do paladar. A política fiscal equilibrada, com a correta administração dos gastos correntes, nível ótimo de impostos e uso adequado dos investimentos públicos reduz a incerteza do ambiente econômico, induzindo empresários em busca de lucro a realizar seus próprios investimentos. Rúcula e política fiscal servem, assim, como bons complementos, respectivamente, do equilíbrio de sabores e do equilíbrio econômico.

Quando a rúcula quer aparecer demais, todos os outros ingredientes se inibem, tornam-se coadjuvantes de um monólogo frouxo, sem enredo, sem emoção. Rúcula, afinal, pode ser maravilhosa para acompanhar: mas como atriz principal deixa muito a desejar. Ela se perde pelas papilas gustativas, deixando somente o seu próprio corpo sobre o prato de quem está saboreando. A rúcula, em excesso, afasta todos os outros ingredientes, mesmo os mais virtuosos!

Assim também o é a política fiscal de uma nota só: a do aumento contínuo de gastos. Afinal, o gasto indiscriminado, sem transparência, sem regras, sem válvulas de escape, asfixia o equilíbrio macroeconômico. Torna uma grande parcela das famílias dependentes do gasto "social", torna as empresas pedintes do crédito público. Gera um ambiente inóspito para o investimento produtivo, reduzindo o potencial do crescimento, aumentando o nível geral de preços, forçando a oferta a ser complementada por importações.

É esse quadro, leitor, infelizmente, o nosso. Não de hoje: mesmo nos melhores momentos da década passada, quando a política monetária ainda era conduzida visando o aumento de credibilidade, o gasto do governo crescia 10% ao ano. O pacto social, firmado nos idos da constituição de 88, é por mais gasto, não por elevação de produtividade. Mais gasto público é, desse modo, o excesso de rúcula no prato da economia brasileira: ele esconde todo o resto. É justamente por isso que as agências de classificação de risco ameaçam reduzir o rating do nosso país. Elas olham as finanças públicas brasileiras e veem falta de transparência, "criatividade" na contabilização de gastos e receitas, gasto corrente em excesso, investimento público em declínio, superávit primário em descrédito.

Rúcula demais, afinal, leitor, não é nada bom, não é mesmo?

 

Compartilhe esse artigo

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Email
Print

Comente o que achou desse artigo

Outros artigos relacionados

Qual o efeito de um choque de juros sobre a inadimplência?

Neste exercício, exploramos a relação dinâmica entre o custo do crédito (juros na ponta) e o risco realizado (taxa de inadimplência) através de uma análise exploratória de dados e modelagem econométrica utilizando a linguagem de programação R.

Qual a relação entre benefícios sociais e a taxa de participação do mercado de trabalho?

Este exercício apresenta uma investigação econométrica sobre a persistente estagnação da taxa de participação no mercado de trabalho brasileiro no período pós-pandemia. Utilizando a linguagem R e dados públicos do IBGE e Banco Central, construímos um modelo de regressão linear múltipla com correção de erros robustos (Newey-West). A análise testa a hipótese de que o aumento real das transferências de renda (Bolsa Família/Auxílio Brasil) elevou o salário de reserva, desincentivando o retorno à força de trabalho.

Estamos em pleno emprego no mercado de trabalho?

Este artigo investiga se o mercado de trabalho brasileiro atingiu o nível de pleno emprego, utilizando uma estimativa da NAIRU (Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment) baseada na metodologia de Ball e Mankiw (1997). Através de uma modelagem em Python que unifica dados históricos da PME e PNAD Contínua com as expectativas do Boletim Focus, comparamos a taxa de desocupação corrente com a taxa neutra estrutural. A análise visual e quantitativa sugere o fechamento do hiato de desemprego, sinalizando potenciais pressões inflacionárias. O texto detalha o tratamento de dados, a aplicação do Filtro Hodrick-Prescott e discute as vantagens e limitações da metodologia econométrica adotada.

Boletim AM

Receba diretamente em seu e-mail gratuitamente nossas promoções especiais e conteúdos exclusivos sobre Análise de Dados!

Boletim AM

Receba diretamente em seu e-mail gratuitamente nossas promoções especiais e conteúdos exclusivos sobre Análise de Dados!

como podemos ajudar?

Preencha os seus dados abaixo e fale conosco no WhatsApp

Boletim AM

Preencha o formulário abaixo para receber nossos boletins semanais diretamente em seu e-mail.