Selic pode subir em 2013

O carnaval chegou ao fim e o momento é de voltar-se para as questões macroeconômicas de 2013. A tríade perseguida pelo governo - juros baixos, câmbio fixo e crescimento superior a 4% - vai se mostrando cada vez mais difícil de  ocorrer neste ano. Isto porque, a inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Cosumidor Amplo) mostra resistência.  O resultado de janeiro, 0,86%, indica mais do que um aumento sazonal. Em 12 meses, a inflação medida pelo IPCA está em 6,15%, bem próxima do limite superior da meta. Além disso, um dado importante de "alastramento" da inflação é medida pelo Índice de Difusão, isto é, a quantidade de preços que sofreu aumento em um determinado período: ele foi de 75,1% em janeiro. A explicação para esse aumento do grau de difusão pode ser dividido em três grandes blocos: i) o descompasso histórico entre oferta e demanda; ii) a geração de efeitos de segunda ordem dos choques de oferta do ano passado; iii) mercado de trabalho rodando a pleno emprego. A consequência direta disso é que o Banco Central terá de elevar a taxa básica de juros [a Selic] em 2013, caso tais descompassos não sejam dissipados.

O primeiro bloco de explicações não é nenhuma novidade. É um comportamento que vem se repetindo há pelo menos 30 anos na economia brasileira. A demanda por bens e serviços aumenta, as empresas utilizam capacidade ociosa, o que gera pressão sobre os preços e só em um período posterior, se há expectativa de manutenção dessa demanda, é que os investimentos ocorrem, gerando um descompasso entre oferta e demanda agregadas. Uma forma simples de verificar isso é comparar o comportamento das vendas no varejo com a da produção industrial. Enquanto aquela tem crescido quase que estritamente monotônica no período recente, esta praticamente estagnou. Os gráficos abaixo demonstram isso na prática.

As vendas no varejo representam uma aproximação [proxy] do comportamento da demanda por bens e serviços.

 Já a produção industrial é uma boa proxy para o comportamento da oferta.

Como dito anteriormente e como pode ser visto nos gráficos acima, esse comportamento não é novo. Ele se intensifica, principalmente, a partir de 2010, quando há uma proliferação de incentivos fiscais [renúncia de tributos], visando manter o Consumo das Famílias em trajetória ascendente. Isso, claro, gera pressão sobre os preços - que será maior se as importações não puderem atender esse descompasso entre a absorção doméstica e a oferta interna. Entretanto, na atual conjuntura, deve se ter outros dois blocos complementares para explicar a resiliência inflacionária. É aqui que entram os choques de oferta do período recente e a pressão do mercado de trabalho.

No ano passado tivemos dois choques importantes no grupo alimentos. Um vindo do ambiente externo, por problemas climáticos nos EUA, que acabou por elevar o índice de commodities, gerando pressão no atacado, logo repassado para os índices ao consumidor. O outro, interno, causado também por problemas climáticos, no subgrupo de alimentos in natura. A resiliência desses choques pode ter gerado efeitos de segunda ordem, isto é, a proliferação do aumento nesses preços para outras cadeias produtivas. Isso explica, em parte, o aumento do índice de difusão, ainda que seja de difícil comprovação empírica.

No terceiro bloco de explicações está o mercado de trabalho. Como já expliquei em post anterior, os dados da Pesquisa Mensal do Emprego (PME) indicam que existe um nível de baixa ociosidade do fator trabalho no país, indicando pressão sobre a massa salarial. Isto significa que se os salários crescem acima da produtividade do mesmo fator, teremos também pressão sobre os preços. E aqui, notadamente, sobre o grupo serviços, que é intensivo em mão de obra.

Esses três blocos em conjunto explicam o porquê da inflação está pressionada, mesmo a despeito do baixo crescimento auferido nos últimos dois anos. Nesse contexto, e caso não haja dissipação desses movimentos, a política monetária convencional [juros] deverá ser utilizada para conter esse aumento nos preços. Isto porque, mesmo em um regime de metas flexível, a boa teoria econômica recomenda que você acomode choques de oferta de primeira ordem - aqueles que são pontuais -, mas prevê que a autoridade monetária deva reagir a efeitos de segunda ordem. Se considerarmos, para efeito de simplificação, o oximoro que é um mercado de trabalho aquecido a despeito do baixo crescimento recente como um "choque de oferta" [algo não usual], fica evidente que o mesmo gerou os tais "efeitos de segunda ordem", dado o grau de difusão registrado no IPCA. Isso é um forte argumento para o aumento da Selic em 2013.

O próprio presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, mostrou essa preocupação quando da divulgação do IPCA de janeiro, em claro contraste com a última ata do Copom - que trazia a frase "manutenção suficientemente prolongada das atuais condições monetárias". Tal postura foi recentemente ratificada pelo Ministro da Fazenda, ao indicar que um aumento de juros neste ano não está descartado, caso o aumento de preços continue.

Em assim sendo, será necessário acompanhar a resiliência daqueles três blocos de pressão. A tendência é que o grupo alimentos mostre-se menos pressionado nesse ano, dada a expectativa de safra recorde no ambiente doméstico e maior estabilidade no cenário externo. Já o descompasso entre oferta e demanda pode estar se reduzindo graças ao maior endividamento das famílias - o que não é necessariamente algo bom -, ainda que a indústria não mostre sinais claros de recuperação do nível de investimento. Por último, a tendência é que o mercado de trabalho continue pressionado, ainda que a expectativa seja de aumentos salariais menores neste ano. A avaliação desses três grandes blocos, além é claro do comportamento da política fiscal e do cenário externo, é quem determinará se a taxa básica de juros se elevará ou não em 2013.

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