CAGED Granger Causa PME?

cagedpmeA análise do mercado de trabalho tem sido um dos pontos mais importantes da atual conjuntura. Afinal, é preciso explicar a leitores e clientes os motivos pelos quais a despeito do baixo crescimento mostrado pelas Contas Nacionais, o desemprego encontra-se próximo à mínima histórica. Assunto que já tratei em algumas oportunidades nesse e em outros espaços (veja aqui). Hoje, visando aumentar o grau de compreensão dos leitores sobre o mercado de trabalho brasileiro, vou replicar aqui um estudo do Bradesco feito no ano passado, que relaciona o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho (CAGED) com a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE (PME). A análise econométrica feita pelo Banco sugere que variações passadas daquela ajudam a explicar variações contemporâneas desta. Para verificar esse resultado, farei uso do Teste da Causalidade de Granger, disponibilizando os dados no final para quem se interessar em igualmente replicar o exercício.

As pesquisas

As duas pesquisas possuem metodologias bastante distintas. Enquanto o CAGED é uma pesquisa nacional, a PME engloba apenas as seis maiores regiões metropolitanas. Além disso, o CAGED avalia o fluxo mensal de admitidos e demitidos no regime formal, já a PME verifica o estoque de ocupados e desocupados a cada ponto do tempo. As demais diferenças entre as pesquisas estão resumidas na tabela abaixo.

caged vs. pme

Nesse contexto, antes mesmo de abrir o pacote estatístico é preciso compatibilizar as pesquisas. Isto é, torná-las comparáveis. Para isso, tomou-se os dados do CAGED apenas das seis regiões metropolitanas avaliadas na PME (Recife, Salvador, BH, Rio, SP e Porto Alegre). Na PME considerou-se a população ocupada em empresas privadas com carteira de trabalho. Ademais, foi tomada a variação da média móvel trimestral de ambas as séries para o período de maio de 2003 a abril de 2014, em um total de 132 observações. O gráfico acima ilustra o comportamento das séries. Para acessar o CAGED e a PME consulte as instruções no final do post.

Testes de Raiz Unitária e Estacionariedade

O próximo passo é importar os dados para algum programa estatístico (R, Gretl, Eviews...). Vou usar o Eviews nesse exercício e realizar os testes ADF, ADF GLS, PP e KPSS para determinar se as séries possuem raiz unitária ou se são estacionárias. Os resultados estão resumidos nas duas figuras que seguem.

testeraiz01
Clique para melhor visualização.
testeraiz02
Clique para melhor visualização.

Os resultados indicam que a série ADM_CAGED_MUN_PME é I(0) enquanto a série PO_PRIV_CARTEIRA pode ser I(1). Isso traz algumas considerações para verificar causalidade, que trato a seguir.

Teste de Causalidade de Granger

Na seção anterior chegamos à conclusão que a série PO_PRIVADA_CARTEIRA pode ser I(1) enquanto a série ADM_CAGED_MUN_PME era I(0). Desse modo, adotei duas estratégias. Em um primeiro exercício, não diferenciei as séries. Segui nessa abordagem o script de Toda and Yamamoto (1995),  sugerido pelo professor Dave Giles em seu blog Econometrics Beat - sugiro que os mais interessados consultem aqui. Após os procedimentos rotineiros (ver nas observações o problema principal encontrado) para esse tipo de teste (ver os critérios de informação para determinar o número de defasagens da matriz, ver a autocorrelação dos resíduos, verificar se o modelo é "estável", a partir das raízes do polinômio...) e os ajustes sugeridos pelo paper, rodei o teste de granger.  Os resultados para essa abordagem estão postos abaixo.

granger01

A hipótese nula do teste de granger é que os coeficientes das observações defasadas de X não são estatisticamente significativos para explicar a variação de Y. Logo, rejeitar a hipótese nula implica que as variações passadas de X ajudam a explicar a variação contemporânea de Y. Na figura acima é possível verificar na parte de cima que não é possível rejeitar a hipótese nula quando a variável dependente é ADM_CAGED_MUN_PME. Já na parte de baixo, quando a variável dependente é a PO_PRIVADO_CARTEIRA a hipótese nula do teste de granger é rejeitada. O teste sugere, desse modo, que os resultados do CAGED precedem os resultados da PME.

Em um segundo exercício, criei o VAR com as séries diferenciadas. Após fazer os mesmos procedimentos rotineiros, rodei o teste de granger. Os resultados corroboraram com a evidência acima, como mostra a figura seguinte.

granger02

Conclusões

A baixa taxa de desemprego tem implicações importantes para a conjuntura econômica, seja em termos de crescimento ou de inflação. Como mostrei aqui, por exemplo, desemprego e inflação de serviços (a parte do IPCA que tem ficado sistematicamente em 9% no acumulado em 12 meses), cointegram, logo se o desemprego está baixo, a inflação de serviços deve continuar elevada. Em termos de crescimento, baixo desemprego exige que a taxa de investimento e/ou a produtividade da economia aumentem, dado que aumentar o produto não é possível com o mero aumento de ocupação do fator trabalho. Desse modo, melhor compreender as relações que existem entre as pesquisas disponíveis é um passo importante para os interessados em conjuntura econômica.

(*) Observações: 

(1) PME (www.sidra.ibge.gov.br)

(2) CAGED (http://bi.mte.gov.br/bgcaged, usuário: basico, senha=12345678)

(3) Minha planilha: Dados

(4) Meu arquivo Eviews: CagedPME

(5) O principal problema com os modelos estimados está nos resíduos, que apresentam autocorrelação serial. Esse problema persiste mesmo aumentando o intervalo de defasagem.

(6) Agradeço a meu amigo Sávio Cescon por ter me enviado esse estudo do Bradesco e os dados do CAGED desagregado tempos atrás, momento a partir do qual passei a me interessar cada vez mais pelos nuances do mercado de trabalho brasileiro.

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