Como se comportou a inflação de serviços no Brasil nos últimos anos?

O mercado de trabalho brasileiro vive um momento de aquecimento, com a taxa de desemprego atingindo mínimas históricas. Naturalmente, surge a preocupação: estamos repetindo o cenário de 2014, quando o desemprego baixo impulsionou uma inflação de serviços elevada?

Para responder a essa pergunta, desenvolvemos um estudo econométrico, construindo uma série histórica longa de desemprego e estimando uma Curva de Phillips para o setor de serviços. O objetivo é isolar o que é pressão do mercado de trabalho do que é inércia inflacionária e expectativas desancoradas.

Curva de Phillips para o setor de serviços

Para entender a inflação de serviços, é útil recorrer a uma versão da Curva de Phillips, que relaciona a inflação com as expectativas inflacionárias, a inércia da inflação passada e o desvio da taxa de desemprego em relação à sua taxa de equilíbrio (o Hiato do Desemprego).

A equação utilizada para modelar a inflação de serviços (aqui representada por \pi_t^{SS}) tem a seguinte forma:

    \[\pi_t^{SS} = \alpha + \beta\pi_{t-1}^{12m} + (1-\beta)E_t(\pi^{LP}) - \gamma(u_t - u_t^*) + \varepsilon_t\]

Onde:

  • \pi_t^{SS}: A inflação de serviços no período t.

  • \pi_{t-1}^{12m}: A inflação de serviços acumulada nos 12 meses anteriores (inércia/persitência).

  • E_t(\pi^{LP}): A expectativa de inflação de longo prazo.

  • u_t: A taxa de desemprego observada.

  • u_t^*: A NAIRU (Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment), ou taxa de desemprego que não acelera a inflação.

  • (u_t - u_t^*): O Hiato do Desemprego.

O coeficiente \gamma capta a sensibilidade da inflação à pressão do mercado de trabalho.

NAIRU vs. Desemprego

O principal condutor da inflação de serviços, segundo essa abordagem, é o Hiato do Desemprego (ou Hiato da Desocupação), que é a diferença entre a taxa de desemprego observada (u_t) e a NAIRU (u_t^*).

A NAIRU é uma estimativa da taxa mínima de desemprego que pode ser sustentada sem gerar pressões inflacionárias crescentes. Analisando a evolução do desemprego e da NAIRU ao longo do tempo, é notável a tendência de queda da NAIRU no período de 2004 até por volta de 2014, e novamente no período mais recente.

Segundo estudos recentes do Banco Central, essa queda da NAIRU pode explicar por que o mercado de trabalho atual pressiona menos a inflação do que no passado.

Comparação entre mínimas de desemprego

A tabela abaixo resume a grande diferença entre os dois períodos de desemprego baixo, mostrando como o cenário mudou:

Indicador 03/2014 09/2025
Expectativa de inflação de longo prazo 5.160000 3.668200
Hiato da Desocupação -2.091975 -0.008088
IPCA (t-1, 12 meses) 5.679754 5.130501
IPCA de Serviços (12 meses) 9.094453 6.111235
IPCA de Serviços (12 meses, Curva de Phillips) 8.325766 4.748604
  • 2014: O hiato era fortemente negativo (-2.09), indicando um mercado de trabalho superaquecido operando muito abaixo da sua taxa natural. As expectativas estavam desancoradas em 5.16%.

  • 2025: O hiato estimado é praticamente nulo (-0.008). Isso sugere que, segundo o filtro HP, a queda do desemprego atual é estrutural (queda da NAIRU) e não apenas cíclica. As expectativas estão significativamente menores, em 3.67%.

O resultado disso é visível na ponta: em 2014, a inflação de serviços rodava a 9.09%. Hoje, mesmo com desemprego baixo, ela registra 6.11%. No entanto, esse cenário aparentemente benigno esconde uma problema central na política monetária: o nível da inflação de serviços hoje opera acima do nível compatível com a meta de inflação.

Conclusão

A análise mostra que o comportamento da inflação de serviços hoje é mais benigno do que em 2014, apesar das taxas de desemprego nominais serem similares.

A "mágica" está na combinação de dois fatores:

  1. Melhor ancoragem das expectativas: O mercado confia mais no controle inflacionário de longo prazo hoje do que em 2014.

  2. Equilíbrio estrutural: um Hiato do Desemprego muito menor, indicando que a NAIRU caiu ao longo dos anos, permitindo um desemprego mais baixo sem gerar o mesmo nível de pressão inflacionária de uma década atrás.

Embora a inflação de serviços ainda inspire cuidados, ela reflete fundamentos macroeconômicos mais sólidos do que na década passada.

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