A implosão do capitalismo de compadres e a consolidação das instituições

Acompanhei com certa apreensão os últimos acontecimentos políticos do país. O PIB, a inflação, o câmbio ou qualquer outra variável macroeconômica tornaram-se meras coadjuvantes diante do protagonismo dos grampos, das falas prontas de um lado e de outro do processo. E que processo? Pode ser o impeachment, pode ser a operação Lava Jato, ou o caso Cunha, ou o Renan ou o Aécio, etc. A política e, principalmente, a polícia viraram protagonistas nessa semana, mais do que nas outras. A macroeconomia, portanto, torna-se irrelevante para explicar movimentos nos preços dos ativos ou nas decisões de consumo e investimento.

O país está sob dominância política. Os eventos políticos e, de novo, policiais, dominam todos os outros. Um subconjunto importante da população está nas ruas, sensível que é aos últimos acontecimentos. A bolsa e o câmbio, de outra forma, reagem mal ou bem a cada nova notícia no front policial/político. Ontem, em particular, reagiram bem, dada a criação da Comissão Especial do impeachment. De novo, impeachment?

O processo de impeachment de 1992 e a consequente renúncia do então presidente Fernando Collor de Mello possibilitaram o surgimento, dentre outras coisas, do plano Real. O governo Itamar Franco, um retalho de forças, serviu para estabilizar os destroços. Seria o mesmo agora?

Provavelmente, não, leitor. A coisa nova do cenário brasileiro se chama operação Lava Jato. E ela, espera-se, continuará existindo mesmo se o impeachment for levado às últimas consequências. Conquanto tenha efeitos mais que positivos no médio e longo prazos, a operação Lava Jato mostra as entranhas do nosso patético sistema político, aprofundando assim a incerteza. E isso, claro, mexe com as tais variáveis macroeconômicas e com os preços dos ativos. Em outros termos, ainda que o processo de impedimento seja levado a cabo, a dominância política está longe de se desfazer.

Ao fim e ao cabo, leitor, o que ocorre hoje no país é a falência de um modelo. Das diversas formas que as sociedades encontraram ao longo da História para resolver o problema econômico básico - adequar necessidades ilimitadas com recursos escassos - o mercado, regido pelo mecanismo de preço, ganha com ampla vantagem. A vigência dessa economia de mercado no Brasil - e em diversos outros países, diga-se - ocorre, entretanto, sem as virtudes características da concorrência. Por aqui, aplicou-se o que é conhecido na literatura como capitalismo de compadres ou de Estado, em que há associação entre o ente público e o privado, objetivando resolver aquele problema básico e, consequentemente, fazer o desenvolvimento econômico. O Estado lidera uma estratégia de desenvolvimento, em estreita associação a empresas privadas escolhidas.

A China possivelmente é nos tempos atuais o caso mais extremado de aplicação dessa arquitetura, onde a descrença no mecanismo de preço leva o governo central a planejar a estratégia nacional de desenvolvimento, via planos quinquenais. No Brasil, o capitalismo de compadres ganhou um nome um tanto quanto mais elegante: chamam-no de desenvolvimentismo.

Os desenvolvimentistas brasileiros são os responsáveis, entre outras coisas, pela criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pelo protagonismo do BNDES no mercado de crédito, pela atuação da Petrobras no Pré-Sal, pelas alianças com países alinhados, pela modicidade tarifária, pelo definição da taxa interna de retorno mais justa e pela mudança de preços relativos. A linha condutora dessas e de tantas outras ações é uma só: o desprezo pelo mecanismo de preço.

O capitalismo de Estado pareceu, para seus defensores, ser inevitável diante da crise global do capitalismo. Ainda que todas as propostas desenvolvimentistas já estivessem na cabeça, no papel e em operação muito antes dos primeiros desdobramentos da crise internacional. Vide o PAC, que é de 2006. De novo: eles nunca acreditaram no mecanismo de preço e viram na crise a licença perfeita para aplicar todas as suas ideias.

O leitor atento já deve saber onde termina tudo isso. Sim, na Lava Jato. A associação entre Estado e empresas privadas, o mix saudável elogiado por Eike Batista, revelasse quase sempre ser criminosa. Seja aqui ou em qualquer outro lugar do mundo. Sob o capitalismo de compadres, mais vale ser amigo do comandante em chefe do que investir em pesquisa e desenvolvimento. Mais vale construir um escritório em Brasília, ocupado por lobistas, do que um laboratório de pesquisa no interior de São Paulo. A relação não tem como não ser espúria e corrupta, como nos dizem as seguidas operações da Lava Jato. Ou como nos disseram o Mensalão de tempos atrás, afinal estava tudo lá, presente.

Nesse contexto, um novo governo de coalização, ainda que dê algum alento de curtíssima duração, não será capaz de nos dar condições mínimas para o crescimento econômico sustentável. É preciso não apenas combater os sintomas da crise, um governo corrupto, mas a doença: o capitalismo de compadres. O sucesso em conseguir tornar a relação entre o público e o privado a mais transparente possível mostrará o quão desenvolvidas são as instituições do país. E disso, claro, dependerá o nosso desenvolvimento social e econômico.

No fim, leitor, o desenvolvimento econômico e social provém disso, da capacidade que um país tem em construir instituições. Independente de quem seja o governante de plantão, o país continua funcionando de forma adequada, se tiver instituições. Independente de quem seja o presidente, o Banco Central continuará perseguindo a estabilidade de preços, por exemplo. Se alguma empresa fizer algo ilegal, os mecanismos de controle a punirão. O mesmo valendo para algum político.

A dominância política que vivemos hoje só prova que não, nós ainda não temos instituições sólidas. Um governante eleito não pode encarar o voto como licença para fazer o que quiser. Não pode praticar pedaladas ou promover contabilidade criativa sob a justificativa de estar pensando no emprego e na renda dos mais pobres. Deve haver restrições claras para comportamentos oportunistas, sejam eles praticados por entes públicos ou privados.

É basicamente isso que está em jogo nesse momento. Mas do que em outros, porque a novidade da Lava Jato não deixará, espera-se, que se varre a sujeira para debaixo do tapete. Terminado o processo de impeachment, punidos todos os demais políticos e entes privados envolvidos, o momento será de serenidade para consolidar nossas instituições. Quanto tempo levará? Impossível dizer.

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