O objetivo nobre da macroeconomia, o de tentar explicar o comportamento de certas variáveis agregadas, torna-se imensamente vulgar diante dos seus meios. Os não-iniciados ou estudantes de primeira viagem deparam-se com um questionável leque de escolas de pensamento, com uma variedade incomunicável de receitas para os dilemas mais corriqueiros da profissão. A pergunta mais simples e singular da economia – o que causa o crescimento econômico – pode ter um punhado de explicações. O mesmo se pode dizer sobre o comportamento dos preços, dos juros ou da taxa de câmbio. Nessa infinidade de dúvidas e debates reside uma total falta de verdades absolutas, como de praxe em qualquer ciência.
Nesse contexto, e muito por conta disso, o macroeconomista deve tolerar certos abusos do desconhecimento da profissão. Não devemos nos abater diante de certas acusações levianas e grosseiras dos receosos de plantão. Afinal, apesar de a macroeconomia ser um campo do conhecimento bastante jovem, a nobreza de seu objetivo principal incentiva uma profusão enorme de novas descobertas.
Umas não tão brilhantes, outras não tão espetaculares assim, é verdade. Mas de revolução em revolução, a profissão chegou a alguns preceitos básicos. Aqui listo dois que considero de grande importância. O primeiro é o que procura responder aquela singela pergunta: o crescimento da economia está intimamente ligado a três coisas que não se deve ignorar. Mesmo que você possa ter ouvido por aí que o Banco Central é responsável pelo crescimento do PIB, não se deixe enganar: sem um estoque razoável de mão-de-obra qualificada, capital físico e tecnologia adequada, não se gera crescimento sustentado da economia. É claro que você ouvirá uma infinidade de respostas e debates sobre cada uma dessas parcelas e, mais especificamente no Brasil, você será convencido sobre uma capacidade sobrevalorizada da política econômica (os instrumentos à disposição dos governos). Mas acredite: sem aqueles três componentes o crescimento estancará cedo ou tarde, dando margem a um aumento generalizado de preços.
Um segundo preceito já bastante enraizado na profissão é que no curto prazo variações na demanda por bens e serviços fazem aumentar a oferta agregada, a produção. Mas apenas até certo ponto. Insistir em políticas econômicas que promovam consumo per se cedo ou tarde acabará em inflação. É certo que empresários ávidos por lucros reagem a aumentos na procura, repondo estoques da maneira mais veloz possível. Entretanto, se o estoque daqueles três componentes não for suficiente para promover o crescimento da oferta, acredite: haverá aumento de preços.
E aqui é importante não se deixar iludir. Ainda que no curto prazo o governo possa (e deva) intervir no curso da economia, no longo prazo aqueles três componentes é que determinam o quanto de fato a economia pode (ou não) crescer. Não há mágica quando o assunto é política econômica. O que existe são certos limites que devem ser entendidos – e em certo sentido respeitados.
Nesse contexto, a política econômica, ou os instrumentos à disposição dos governos não devem ser utilizados para atingir diferentes metas. O sonho de qualquer macroeconomista – ao menos dos honestos – é ter uma economia em rápido crescimento, com baixa inflação e um câmbio relativamente estável. Querer, entretanto, trazer os sonhos para a realidade dos fatos tem causado mais prejuízos do que propriamente acertos. Sejamos claros aqui: os objetivos finais da política econômica (emprego, estabilidade de preços e taxa de câmbio) são conflitantes.
Se a capacidade de produção da economia está funcionando a pleno vapor, haverá pressão sobre os preços. Não tenha dúvidas quanto a isso, leitor. Os governos podem querer aumentar essa capacidade, gerando investimento em máquinas e equipamentos, mas não se pode ignorar uma pressão inflacionária: ela é um inimigo sórdido, que ao menor espaço, se instala sobre toda a economia. É certo que se deve trabalhar com um nível de ociosidade. E na vida real, as indústrias estão acostumadas com isso. Uma pressão sobre essa ociosidade deve gerar um alerta sobre a autoridade monetária. Há de se ter, portanto, uma combinação de políticas: de um lado, gerando incentivos ao aumento do investimento, de outro calibrando o crescimento da demanda. E sempre lembrando que investimento é também demanda no curto prazo – coisa que, às vezes, é fácil esquecer.
Um aumento dos preços, a propósito da conjuntura, possui três explicações básicas: ou é um choque de oferta, ou um de demanda ou uma infeliz combinação dos dois. Desculpem: há outras explicações. Mas a teoria macroeconômica contemporânea parece tê-las ignorado – quem sou eu, portanto, para contrariá-la.
Um choque de oferta deve ser apenas acompanhado de perto. Seus efeitos primários são deletérios, mas cedo ou tarde cessarão. A preocupação reside nos efeitos secundários, ou seja, na propagação para os demais preços das cadeias produtivas envolvidas. Esses últimos podem ser de fato o que caracteriza o processo inflacionário: uma alta generalizada e continuada dos preços. E por assim serem devem ser severamente combatidos. Não tenha dúvidas, leitor: inflação boa é inflação contida.
Já o choque de demanda não merece o mesmo tratamento. Para esse – e aqui há sérias divergências entre os macroeconomistas – a paulada deve vir mais cedo. E mesmo que você seja do tipo que acredita (ou já ouviu falar) no animal spirit dos empresários, uma hora ou outra terá de olhar para aqueles dois preceitos (que no fundo formam apenas um). Afinal, dado um limite potencial de crescimento, querer ir além implicará em necessariamente aceitar mais inflação pelo caminho.
A combinação dos dois choques expõe o policymaker ao crivo da espada de Dâmocles: combater ou não? Afinal, o choque de oferta se dissipará e o de demanda promoverá o animal spirit dos empresários, não é mesmo leitor amigo?
Talvez, e aqui apenas uma possibilidade, não. O que pode ocorrer é uma propagação do choque de oferta, se nada for feito. Além disso, pode ser que a economia esteja muito perto de sua capacidade máxima de produção. E em assim sendo, mesmo com todo o espírito animal existente – a avidez por lucros – e todo o aumento de produtividade possível, a inflação se enraizará no sistema econômico. E o custo de não combatê-la desde o início só aumentará nos períodos seguintes.
Por fim, cabe lembrar ao leitor que a inflação foi (e ainda é, acredite!) considerada um remédio amargo para o crescimento sustentado da economia. O preço a pagar pelo progresso, como bem nos lembra Gustavo Franco. Não se deve, porém, cair na tentação do equilibrista: querer lidar com várias metas ao mesmo tempo. Afinal, ter câmbio desvalorizado, inflação sob controle e alto crescimento requer muito mais do que simples retórica. É preciso que se conheça certa dose de teoria macroeconômica.