Microeconomistas versus Macroeconomistas

Os economistas possuem um dialeto próprio, com termos e analogias incompreensíveis para os não iniciados. Não é exclusividade da profissão, diga-se, afinal, qualquer especialidade com algum frescor de vitalidade tem seu próprio vernáculo. Já parou para ouvir as conversas entre programadores, médicos ou engenheiros? Estão cheias de jargões técnicos de compreensão difícil ou mesmo impossível para todos os demais. Economistas, além do jargão, têm outra particularidade: dividem-se em tribos. A despeito, claro, de existir uma teoria econômica, fruto de revoluções e contrarrevoluções, a parte "humana" da ciência clama pelo diferente. E talvez por esse detalhe, as conversas entre economistas sejam pequenas demonstrações das contradições inerentes às sociedades.

Para além dessas dificuldades, há ainda uma outra, de difícil explicação para o leitor não iniciado: a divisão entre a interpretação macro e outra micro. Aquela, imbuída de entender o comportamento agregado da sociedade e de suas variáveis econômicas. Esta, preocupada com agentes específicos ou grupos de agentes específicos, além, é claro, do desenho de determinadas políticas públicas. Pode-se, ademais, tentar unificar o micro e o macro em uma mesma construção teórica. Na definição célebre do professor Mário Henrique Simonsen, em economia há três maneiras de se olhar os fatos. A primeira tenta ao mesmo tempo enxergar a floresta e cada uma de suas árvores. (...) A segunda se fixa numas poucas árvores e se esquece da floresta. (...) A terceira ótica procura enxergar a floresta sem se preocupar com as árvores. 

Entre os economistas, leitor, há sempre a predominância da segunda ou da terceira, sendo mais rara a primeira versão de Simonsen. E isso ficou muito claro nessas eleições. Os microeconomistas, de maneira geral é claro, concentraram suas atenções para a redução da desigualdade nos 12 anos do PT, na criação de políticas públicas específicas, na ascenção da classe média, na amplicação do setor de serviços, etc. Os macroeconomistas, entretanto, olharam para a política econômica e viram nela a soma de todos os medos para a continuação dos avanços sociais da última década.

E aqui, leitor, macroeconomistas podem ser heterodoxos ou ortodoxos. Pouco importa: todos criticaram a política econômica. Há exceções? Sim: estão todas no governo. Fora dele, não há macroeconomistas contentes com a situação atual do país. O crescimento está baixo, a inflação alta, o déficit em conta corrente é crescente, o banco central perdeu autonomia, as finanças públicas estão apresentando déficits primários, etc, etc. E no lado micro da profissão?

Pode-se tecer outro enredo. Afinal, os mais jovens estão estudando mais, a renda dos mais pobres continua crescendo acima da média da população, a fome hoje é um problema menor do que era há 10 anos, etc, etc. Seria, então, uma visão de copo meio cheio dos problemas apontados acima?

Não, infelizmente. Afinal, não se pode reduzir assimetrias sociais sem uma política econômica crível, sem crescimento e com inflação baixa. Desequilíbrios no lado macroeconômico impedem avanços no micro. Aqueles, leitor, são indicadores antecedentes dos retrocessos neste. Com inflação alta, por exemplo, a desigualdade deixa de cair e passa a aumentar. Com crescimento baixo, os empregos se vão e a pobreza - extrema ou não - passa a aumentar. Jovens que estudam mais não encontram ofício, o que aumenta a criminalidade e o conflito nas cidades. Ignorar o que está acontecendo com a floresta, desse modo, é uma péssima ideia, porque ela indica o que acontecerá com as árvores, hoje sadias.

Não assuma conclusões, aqui, leitor. É claro que a leitura microeconômica é importante. Afinal, desenhar políticas públicas não é coisa de macroeconomista. Não é de seu feitio garantir que determinado grupo social avance mais do que outro - algo necessário em economias desiguais como a brasileira. Ao macroeconomista, cabe fazer a economia crescer como um todo. Daí se garante que alguns avancem mais do que outros, o que leva ao equilíbrio distributivo.

Observe, portanto, que uma macroeconomia saudável é condição necessária para determinadas políticas microeconômicas. Ademais, uma microeconomia organizada é, igualmente, condição necessária para a macroeconomia. Veja o crescimento: ele deriva de instituições, de mão de obra qualificada, investimento privado, infraestrutura, etc, etc. Tudo isso depende de questões microeconômicas. Há intersecção entre as duas leituras, o que nos leva à primeira versão de Simonsen: é preciso enxergar a floresta e cada uma de suas árvores.  E não se engane, leitor, esse é o grande desafio dos próximos anos. Algo que, infelizmente, não foi bem entendido nessa eleição.

 

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