Por que a inflação está elevada no Brasil?

Machado de Assis, o maior dos escritores brasileiros, gostava de números, como evidencia em uma crônica de 1876: “Gosto dos algarismos porque não são de meias medidas nem de metáforas. Eles dizem as coisas pelo nome, às vezes um nome feio, mas não havendo outro, não o escolhem. São sinceros, francos, ingênuos. As letras fizeram-se para frases, o algarismo não tem frases, nem retórica”. Provavelmente para ele uma inflação média acima de 6% nos últimos 41 meses seria definitivo. Afinal, um número tão feio e sincero quanto esse deveria estar imune a discursos retóricos, gerando apenas compromissos contundentes em combatê-lo.

Enquanto aumento generalizado e persistente de preços a inflação é o sintoma do descolamento entre crescimento da demanda e da oferta agregadas. A força que mantém essa situação de desequilíbrio é a condução equivocada da política econômica (monetária, fiscal e parafiscal, no caso brasileiro). Esse descolamento entre taxas de crescimento, causado pela política econômica, gera aumentos salariais inconsistentes com a produtividade da economia, o que eleva o nível geral de preços. Qualquer explicação alternativa, nesse aspecto, é mero exercício retórico, sem maior robustez empírica.

Pode-se argumentar, como fazem alguns, que a inflação elevada hoje é proveniente de duas pressões: redução da desigualdade de renda e problemas climáticos. A primeira causaria maior consumo de serviços por quem antes não os consumia, enquanto a segunda gera problemas na oferta de alimentos. A inflação acumulada em 12 meses terminados em maio, por exemplo, retirados serviços e alimentação no domicílio, ficou em 4,7%. Desse modo, não há nada que a política monetária possa fazer, a não ser estabilizar a inflação acima de 6%, sob custo de causar níveis elevados de desemprego para trazê-la para a meta. Seria isso correto?

Não. O argumento acima deixa de lado o papel da política econômica no descolamento entre oferta e demanda e no gerenciamento das expectativas dos agentes. Afinal, a combinação de juros baixos, menor superávit primário e expansão do crédito dos bancos públicos gerou um crescimento da absorção doméstica acima do que a economia consegue produzir em bens e serviços. O efeito macroeconômico disso é mais inflação e aumento de importações líquidas (para dar conta da demanda doméstica), causando restrição externa (aumento do déficit em transações correntes).

Ademais, a manutenção de taxas de juros reais abaixo do que seria compatível com inflação na meta fez com que as expectativas dos agentes perdessem sua referência. Eles simplesmente não acreditam que o nível geral de preços se reduzirá nos próximos anos. Desse modo, pedem aumentos salariais enquanto trabalhadores e reajustam preços enquanto empresários. Ao fazerem, retroalimentam a inflação, confirmando suas expectativas iniciais.

A política econômica em orientação expansionista, programas de transferência de renda e de incentivo ao estudo (Pronatec, FIES e Prouni), além de características demográficas, geraram uma situação de pleno emprego na economia brasileira. Com a escassez de mão de obra houve aumentos salariais incompatíveis com a produtividade doméstica, o que causou uma inflação de serviços próxima a 9% nesses 41 últimos meses. Isto porque, sendo o setor de serviços insensível à competição externa, é mais fácil para o produtor repassar o aumento de custos trabalhistas ao consumidor do que a indústria, por exemplo.

Advoga-se, nesse contexto, que a inflação atual é preponderantemente derivada do setor de serviços. De fato, excluindo estes do IPCA, temos uma inflação média de 4,6% nos últimos 41 meses, próxima, portanto, à meta. Com esse recurso, entretanto, ignora-se os efeitos da política econômica sobre a demanda e, portanto, sobre o descolamento entre salários e produtividade. Este, no final das contas, é o que gera uma situação de descontrole inflacionário.

Por uma questão meramente ideológica, que cansaria o leitor, sabemos que a atual equipe econômica discorda de certos paradigmas da profissão. A manutenção da política econômica expansionista, diante de claros sinais de restrição de oferta, tem consequências sobre o organismo econômico. Uma delas é a inflação. Em assim sendo, inflação, por qualquer ótica que se olhe, é um número tão sincero quanto parecia saber Machado de Assis. Ela é uma patologia que não admite retórica, apenas firme compromisso em mantê-la baixa e estável.

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