Por que eu não sou de esquerda?

E também não sou ortodoxo, heterodoxo ou marxista. Não sou de direita, não tenho religião e não voto em legenda. Assim, de bate-pronto, se você me perguntar, eu digo que sou social-liberal. Algo completamente vago, portanto, que não quer dizer nada e tudo ao mesmo tempo. Eu poderia ser um social-liberal mais à direita ou mais à esquerda, mas não é esse o ponto. O certo é que acredito em Deus-pai-todo-poderoso, criador do céu e da terra, mas tenho poucas esperanças na natureza humana. E eu até poderia explicar, em maiores detalhes, provavelmente em uma mesa de bar, porque, afinal, eu não tenho muita simpatia pela esquerda [e pelos esquerdistas] - apesar de eu próprio ser canhoto.

Em uma mesa de bar, quem sabe, eu poderia lhe dizer que ser independente não é bem um conceito muito em voga. Talvez porque seja legal pertencer a alguma tribo, as pessoas acabam te perguntando ou mesmo te acusando de pertencer a alguma delas. Elas me dizem: "você é neoliberal, ortodoxo e de direita". Ou seja, eu devo queimar no fogo do inferno. Geralmente me acusam desse tripé quando eu digo, por exemplo, que universidade estatal gratuita é um absurdo. E como sou oriundo de duas delas, como posso defender tal tese?

Eu até poderia explicar que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Entraria em custos de oportunidade, racionalidade individual e aquele papo microeconômico que já é um saco para economista, imagine para uma mesa de bar. Abstraindo, portanto, eu te diria, após dois goles no copo americano de cerveja que independência estrita, de fato, não existe mesmo. Então se você insistir em uma hora de prosa, o copo se mantiver cheio e gelado, eu provavelmente lhe direi que a dialética não leva a lugar algum, a não ser à destituição da economia de mercado. Revelarei que acho Keynes um cara phoda, mas déficit público ad infinitum não é coisa dele - nem de pós-keynesiano que se deu ao trabalho de ler seus escritos.

Se o garçom, a essa altura chamado pelo nome, porque eu gosto de ter uma intimidade com quem me serve, estivesse cumprindo bem sua função, eu iria mais longe no papo. Revelaria que tenho um certo encanto escondido por Hayek e acho a idéia do viés-inflacionário [que não é dele, diga-se] uma coisa de fato real. Mas só entre nós: acabar com os bancos centrais é meio romântico demais, não acha? É tipo um capitalismo perfeito demais, onde riscos morais não existem e coisa e tal. Vá lá que os EUA fizeram o maior programa de salvamento privado da história, às custas dos contribuintes, mas acabar com o FED acho um pouco de exagero.

Nesse sentido, regras bem postas já estariam de bom tamanho para cercear a alavancagem do sistema financeiro e conter o ímpeto inflacionário dos governos. E, claro, por mais profano que pareça, eu também não sou monetarista. Novamente, acho Friedman um cara phoda, o artigo de 68 uma obra-prima e que a Curva de Phillips aceleracionista tem um insight interessantíssimo. Afinal, iludidos ou não, o fato é que não existe uma troca estável entre inflação e crescimento. Isso, aliás, deveria ser ensinado no jardim de infância!

Já que tocamos no assunto, Friedman precisa ser melhor compreendido. Inclusive pelo pessoal das Expectativas Racionais (ER). Sargent e Lucas não devem ser lidos pelo que escreveram sobre ER, mas pela crítica que fizeram exatamente ao fiscalismo sem controle das décadas anteriores. Uma hora vai dá merda, foi o que disseram. Barro, idem.

Daí que provavelmente eu pararei um pouco. Terão passados alguns minutos. Bebida e conversa de bar são duas coisas muito prazerosas. Recorrerei diversas vezes aos moinhos de Marcos Lisboa para justificar minhas críticas. Gosto muito dessa metáfora, inclusive. Após um olhar fixo para o céu estrelado - pois se estiver frio, eu prefiro sexo e vinho - eu te direi que as pessoas [que fizeram economia] deveriam ler mais metodologia. Só assim é possível criticar - inclusive professores mal resolvidos. Direi que acho o artigo do Keynes [pai] sensacional e que, novamente, Friedman [o artigo de 53, sobre metodologia] deveria ser lido com menos rancor, agora, pelos heterodoxos. Afinal, não é o irrealismo das premissas que importa, mas a capacidade de previsão dos modelos.

Após a décima cerveja e se você ainda estiver comigo, nós travaremos uma trégua. Eu aceitarei que RBC ainda é mal tratado e que ER estrita foi uma mega viagem. Mas não vejo por que a Grande Moderação [Nova Síntese] e o Consenso de Washington são tão amaldiçoados assim. Afinal, eu nunca disse que era contra regulação. O mercado falha e muito. Às vezes de forma incontestável. Mas eu não aceito repartir os prejuízos. Moral Hazard só lá no Norte, porque aqui o PROER não socializou as perdas não, ainda que o seu professor possa dizer o contrário.

Mas só para te provocar eu lembrarei das falhas de governo. E taí a Era Lula que não me deixa mentir. Estado grande, diria Hayek, não é necessariamente um Estado forte. Quase sempre eu levantarei um pouco o tom de voz, mas já não sou apenas eu: em grande parte são os quinze copos de cerveja falando por mim.

Trocaremos uma idéia rápida sobre os novos modelos, porque afinal nem tudo na vida se resume a O Capital e à Teoria Geral. Metas de Inflação, mecanismos de transmissão da Política Monetária, regra de taylor, NOEM etc deveriam ser melhor apresentados aos heterodoxos de plantão.

Por fim, eu não te direi porque eu não sou de esquerda e o que, afinal, eu penso. Provavelmente porque iríamos ter uma discussão eterna e não daria tempo para aparar as arestas - a não ser que você esteja a fim de ver o sol raiar. E em assim sendo, por que afinal falar de economia? Vamos manter a amizade e mandar um bilhetinho para as loiras a duas mesas de distância - uma delas acabou de sorrir para cá.

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