Quando a música parar...

cageddesempregoAproveitei o feriado prolongado para terminar, enfim, a leitura de After the Music Stopped, do brilhante macroeconomista Alan Blinder, acadêmico e ex-membro do Federal Reserve. A despeito de todas as considerações que possam ser feitas sobre o livro (e ainda sobre a crise financeira), a citação feita por Blinder no prefácio, do CEO do Citigroup às vésperas do crash, Chuck Prince, me fez lembrar da economia brasileira. Disse Prince, "When the music stops... things will be complicated. But as long as the music is playing, you´ve got to get up and dance. We´re still dancing". A lembrança tem motivo de ser, dado que enquanto a taxa de desemprego estiver baixa, os salários continuarão "ganhando" da inflação, como parece ser o objetivo do atual ministro Guido Mantega, o que dá uma sensação artificial de bem estar na sociedade. Todavia, quando a taxa de desemprego começar a aumentar - ou, nos termos de Prince, a música deixar de tocar - esse aparente bem estar irá desaparecer, revelando os reais problemas da economia brasileira para todo o público. E o desemprego só não aumentou até agora porque as pessoas estão procurando menos emprego - e não por maior criação de vagas - como mostro no presente artigo.

Entres os economistas há um forte consenso - mesmo entre correntes teóricas divergentes - de que a política econômica atual é a pior em décadas. Seja em termos de credibilidade, seja em relação aos objetivos perseguidos. Fora da profissão, entretanto, esse consenso praticamente desaparece, como fica demonstrado pela ainda elevada aprovação ao governo. Esse fato decorre, notadamente, do baixo índice de desemprego. Ao contrário do que pode pensar o senso comum, a priori, mesmo o baixo desemprego pode ser rechaçado pelos dados.

Em primeiro lugar, para o leitor não economista, façamos uma breve introdução ao que causa redução de desemprego. Sendo o desemprego dado pela diferença entre População Economicamente Ativa (PEA) e População Ocupada (PO), o mesmo pode ser reduzido ou pela saída da PEA, ou por aumento das contratações das empresas. Em particular, se a economia cresce, mais vagas são geradas no mercado de trabalho, fazendo reduzir o desemprego.

Esse último ponto é particularmente verdade, no Brasil, até 2009, como pode ser visto no gráfico acima. A correlação entre geração líquida de vagas (medida pela média móvel de 12 meses do saldo entre admissões e demissões do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, CAGED, do Ministério do Trabalho) e taxa de desemprego (dessazonalizada) é de -0,85. A partir de 2009, entretanto, algo estranho começa a ocorrer na economia brasileira: a correlação entre as duas séries passa a ser de -0,06. Em outros termos, antes de 2009 a geração de vagas reduzia a taxa de desemprego - como haveria de se esperar. A partir de 2009, entretanto, a relação entre as duas séries se perdeu.

Observe, por exemplo, o período entre agosto de 2010 e julho de 2013. Acompanhando a redução do crescimento da economia no período, a geração líquida de vagas caiu de um patamar de quase 190 mil para 47,2 mil. A despeito disso, a taxa de desemprego dessazonalizada saiu de 6,7% em 2010 para 5,5% em 2013. Para entender essa aparente contradição basta retomar o que gera redução de desemprego.

Como pode ser visto na tabela abaixo, com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), no período de 2009 a 2012 a taxa de participação (PEA sobre População em Idade Ativa) caiu de 62,1% para 59,9%. Significa dizer que menos pessoas nesse período estavam a procura de emprego. Ora, se menos pessoas estão procurando emprego, a economia precisa gerar menos emprego para manter a taxa de desemprego baixa. Ou, de outra forma, mesmo com menor geração de emprego é possível ainda assim reduzir o desemprego, dado que menos pessoas estão em busca de emprego. É justamente esse o caso da economia brasileira.

participação

Em particular, pelos dados da nova pesquisa do IBGE, a PNAD Contínua, que recentemente foi objeto de polêmica no orgão, é possível ainda inferir um dado interessante. Na tabela abaixo é possível verificar que a redução do desemprego em 2012 e 2013 foi de 1,5 milhão. 59% dessa redução está concentrada na faixa de 14 a 24 anos. Nesse grupo etário, entretanto, houve variação negativa da PEA em 1,1 milhão. Em outros termos, mostra-se por outra pesquisa que a taxa de desemprego caiu NÃO porque houve geração de emprego, mas simplesmente porque as pessoas estão procurando menos emprego.

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Falta apenas explicar o porquê dessa menor procura. Uma hipótese bastante razoável para essa queda na procura, concentração na faixa de 14 a 24 anos, é o aumento de programas do governo do governo federal. O avanço do Pronatec, do Fies e Prouni, que atende justamente esse público alvo, foi expressivo no período. Em 2010, por exemplo, o FIES respondia por apenas 4,5% das matrículas no ensino superior. Em 2013 esse número subiu para 21,5%. Em outros termos, houve por parte desses jovens adiamento da entrada no mercado de trabalho. Com efeito, mesmo com uma geração líquida de vagas significativamente menor foi possível ainda assim reduzir o desemprego.

Em assim sendo, nem mesmo a baixa taxa de desemprego se sustenta a um olhar mais atento. Somado a uma inflação de 6,45%, medida por seus núcleos, por um crescimento em torno de 2% e pelo déficit em conta corrente de 3,5% do PIB, a política econômica atual é um retumbante fracasso em relação aos seus objetivos. Ademais, dada a queda monotônica dos índices de credibilidade fiscal e monetário, a direção econômica do atual governo é um claro retrocesso em relação aos anos anteriores. Acaso nada seja feito em termos de mudança de direção da política macroeconômica e aprovação de reformas estruturais, o desemprego não irá se sustentar no atual patamar indefinidamente. Quando a música parar, leitor, será, então, revelado ao grande público as incongruências das escolhas econômicas atuais. Até lá, continuemos dançando...

(*) A PME de Março mostrou esse mesmo fenômeno, fato que trato no próximo artigo.

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