Quem acompanha o debate econômico no Brasil sabe que há um antagonismo entre o bom senso e a loucura, isto é, existe por aí um grupo de economistas que ainda não conseguiu compreender o tamanho do desafio fiscal que o país vive. E há um outro grupo que tenta convencer a sociedade da necessidade desse ajuste. Prestando um desserviço ao país e às finanças públicas, aquele grupo de economistas insiste em (1) se afastar da catástrofe que foi o período entre 2006-2014, quando o governo federal implementou uma série de desatinos fiscais; (2) defender novas rodadas de aumento do gasto público. Seria apenas um caso crônico de desconhecimento dos dados fiscais se não fosse levado a sério por uma parte da imprensa, que ainda insiste em dar voz a esse grupo.
Para deixar claro, a situação é gravíssima. Artigo publicado pelo atual Secretário do Tesouro hoje no Valor, Mansueto Almeida - um dos que desvendaram a tal contabilidade criativa de Dilma Rousseff - mostra o tamanho do buraco fiscal. Nas palavras de Mansueto:
"O baixo nível do investimento público no Brasil não é culpa do teto dos gastos, mas sim do crescimento excessivo das despesas obrigatórias, o excesso de vinculações e a elevada indexação do orçamento. O desafio de mexer com essas três características do orçamento em conjunto com a reforma administrativa, controle de concursos públicos e suspensão de aumentos salariais por alguns anos é o que de fato importa para o controle da despesa. O teto dos gastos apenas explicita esse desafio" (grifo nosso).
Os que advogam pelo fim do teto de gastos parece que ainda não entenderam a dinâmica do Orçamento Público, bem como parecem superestimar o multiplicador fiscal para uma economia com um nível de endividamento como a brasileira - sobre esse último ponto, ver aqui. Além de cometerem erros básicos sobre finanças públicas, como bem apontado pelo Alexandre aqui e aqui.
Como pode ser visto no gráfico acima, mesmo com a vigência do teto de gastos, ainda temos na ponta um déficit primário de R$ 118,5 bilhões no acumulado em 12 meses. Isso equivale a 1,66% do PIB. A boca de jacaré que se abriu entre receita e despesa está longe de se fechar, pelas previsões do próprio Tesouro - talvez em 2022, último ano do atual governo.
Como alerta Mansueto,
"O orçamento de 2020 nos mostra uma situação dramática de um país que, apesar de uma carga tributária de 34% do PIB, ainda tem um elevado desequilíbrio fiscal, o investimento público está desaparecendo e que, até 2020, o corte da despesa primária será de apenas 0,5 ponto do PIB, quando o desafio é cortar 4 pontos do PIB até 2026 se quisermos fazer um ajuste fiscal integralmente pelo lado da despesa".
O que definirá, portanto, a volta do crescimento sustentável nos próximos anos será continuar enfrentando o crescimento dos gastos obrigatórios, que crescem de forma vegetativa, logrando espaço cada vez menor para o investimento público. A reforma da previdência, que deve ser aprovada no Senado nas próximas semanas, foi um primeiro passo gigante nessa direção. Infelizmente, ainda não é suficiente. Oxalá que o bom senso siga vencendo o debate com a loucura!