Diante de um inimigo mais forte, o melhor é fugir, escreveu Sun Tzu. A frase, óbvia para alguns, demonstrativo de falta de coragem para outros, ilustra bem o que foi a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária. Diante de uma inflação que deve fechar 2015 em torno de 8% (ou mais, se os ajustes de energia elétrica e do câmbio se intensificarem), o Banco Central resolveu suprir do comunicado qualquer esperança de que a mesma voltaria a caminhar em patamares normais esse ano. Curiosamente, entretanto, o Comitê continuou apostando que a inflação convergirá para a meta de 4,5% em 2016. E que tal cenário é hoje mais forte do que era anteriormente. Há algo no horizonte que embase essa tese do Comitê?
Na ata da reunião de janeiro, o Comitê ainda mantinha esperança de que a inflação começasse a convergir ao final de 2015 para a meta. Expressou tal desejo no parágrafo 27, ao dizer que:
"Nesse contexto, o Comitê não descarta a ocorrência de cenário que contempla elevação da inflação no curto prazo, antecipa que a inflação tende a permanecer elevada em 2015, porém, ainda este ano entra em longo período de declínio".
A parte em negrito, entretanto, diante da revisão do aumento de preços administrados (9,3% para 10,7%) e das perturbações no câmbio (rompimento dos 3 R$/US$), ainda que na ata o câmbio considerado seja de 2,85 R$/US$, foi suprida na reunião de março. Em particular, houve forte revisão dos reajustes de energia elétrica considerados entre uma e outra reunião: passou de 27,6% para 38,3%. Nesse cenário, portanto, é natural que o Comitê não veja maiores chances de cumprimento do teto da meta esse ano. Seria o caso de deixar isso mais claro?
Em janeiro de 2003, diante do rompimento do teto da meta em 2002, o presidente do Banco Central teve de emitir carta aberta ao ministro da fazenda com explicações para o ocorrido. Nela, também, ajustou as metas para os anos de 2003 e 2004 com base no seguinte argumento:
"A trajetória de convergência é definida com base nas metas ajustadas para os próximos anos, que consistem na soma de três componentes: i) a meta para a inflação preestabelecida pelo CMN; ii) os impactos inerciais da inflação do ano anterior; e iii) o efeito primário dos choques de preços administrados por contrato e monitorados. O efeito primário corresponde à parte da inflação dos administrados por contrato e monitorados que excede a meta, descontada dos efeitos do câmbio e da inércia inflacionária. A meta ajustada poderá ser alterada, à medida que ocorram novas estimativas para o efeito primário do choque dos preços administrados por contrato e monitorados".
Desde meados de 2013, o Banco Central vem sinalizando em seus documentos o impacto da desvalorização do câmbio sobre os preços. No ano passado, na ata da reunião de junho, adicionou a esse choque o realinhamento dos preços administrados em função da interrupção dos subsídios empreendidos pelo governo ao grupo energia elétrica e combustíveis.
Sabe-se que um aumento de 40% nas tarifas de energia elétrica possui impacto entre 1,3 e 1,4 pontos percentuais sobre a inflação medida pelo IPCA, 8% na gasolina tem impacto próximo a 0,3 ponto percentual e 10% de desvalorização possui impacto de 0,5 ponto percentual. Ademais, estima-se que a inércia têm contribuído de forma mais intensa para a inflação no período 2012-2014.
Não seria, assim, melhor para a ancoragem das expectativas definir, de forma mais precisa e transparente, uma trajetória ajustada para a inflação ao longo de 2015-17?
Na minha leitura, a posição otimista do Banco Central com a convergência em 2016 se justifica pelo que expressou nos parágrafos 26 e 27 da ata de dezembro em relação à política fiscal. Naquele momento, disse que "não se pode descartar migração para a zona de contenção fiscal", além de atribuir elevada probabilidade à contenção nos subsídios de bancos públicos. Em outras palavras, a moderação na política fiscal e parafiscal potencializariam o já negativo hiato do produto, fazendo com que a convergência se desse ano que vem.
A instabilidade política ora em curso, notadamente a cisão na base aliada no Congresso, deixa dúvidas de que o ajuste fiscal prometido por Joaquim Levy seja possível de ser entregue em sua totalidade - ao menos R$ 20 bilhões dependem daquela casa. Ademais, mesmo com o hiato negativo, as expectativas para os próximos 12 meses continuam acima do teto da meta. Para 2016, elas têm oscilado próximas a 5,5%.
Em assim sendo, ainda que o hiato negativo contribua para o processo de desinflação, a inércia, as expectativas, os ajustes de preços administrados, a dinâmica do câmbio e as dificuldades políticas do ajuste fiscal sinalizam que o ajuste na meta seja um caminho mais prudente nesse momento. Para um Banco Central sem credibilidade, por que esperar?
Vejamos o que mais ele tem a nos dizer no Relatório de Inflação a ser divulgado no final desse mês.
Udpate: está implícito no argumento que o presidente do Banco Central terá de justificar a perda do teto da meta em 2015, com carta aberta ao ministro da fazenda. Além disso, ajustar a meta não implica em parar de aumentar juros. Essa última parte tem de ficar claro.