Políticas keynesianas fazem sentido?

Imagine que a economia esteja operando em um ponto onde Y < Y* (o produto efetivo é menor do que o potencial). Talvez, nesse ponto do ciclo, seja interessante promover política econômica anticíclica, i.e., fazer com que a política fiscal e a monetária sejam expansionistas. Isso permitiria que Y se aproximasse de Y*, evitando recessões mais profundas. De acordo? Pois é, o leitor pode estar estranhando o rumo da "prosa", afinal pode questionar: será que ele virou keynesiano?

Keynes elaborou uma teoria bastante engenhosa para dizer que oferta e demanda não se equilibram a cada ponto do tempo. Na verdade, segundo o autor, o equilíbrio entre uma e outra, conhecido como "ponto de demanda efetiva", é raro de acontecer. A ideia é simples: em uma economia mercantil, é possível afirmar que em toda transação econômica a única decisão verdadeiramente autônoma é a decisão de gastar. O vendedor não decide o quanto vai receber, enquanto o comprador decide quando e se vai efetuar demanda.

Esse princípio simples, chamado de princípio geral da demanda efetiva, é o que norteia a visão de Keynes sobre as economias de mercado. E, como consequência, é no que se baseará para tecer recomendações de política econômica. A assimetria de informações entre o vendedor e o comprador é a fonte básica de incerteza para o empresário, o que torna, em última instância, o investimento tão volátil. Sendo este a fonte de crescimento econômico, estão dadas as condições para a oscilação do produto, i.e., a possibilidade da economia operar abaixo do seu potencial (Y < Y*).

Se é assim, cabe ao estado atuar de forma ativa em momentos onde a incerteza em relação às vendas futuras se torna essencialmente elevada, causada basicamente pela preferência dos agentes por liquidez. Se os agentes, por algum motivo, temem perder o emprego (ou, pior, quando perdem) ou não vislumbram vender seus produtos, preferem não efetivar demanda, causando acúmulo de estoques, o que aumenta a distância entre Y e Y*. Daí que o estado deve utilizar o orçamento de capital (e não o corrente) para buscar fazer com que Y se aproxime de Y*. O efeito multiplicador desses gastos sobre consumo e investimento privados garantiria que o ciclo seria virtuoso - eventualmente, quando acabassem as ações iniciais do estado, a iniciativa privada já estaria novamente a pleno vapor.

Tudo muito interessante, não? Pois é, o era até, ao menos, a crítica feita pelo economista Robert Lucas. Se os agentes possuem alguma expectativa sobre o ambiente econômico que não seja apenas repetir o passado, i.e., se eles formam expectativas com base em todas as informações disponíveis, políticas econômicas expansionistas podem não cumprir os objetivos iniciais. Pior: a intervenção do estado na economia pode desorganizar a tal ponto o ambiente econômico que os agentes ficam confusos sobre como se comportar, se devem investir e/ou consumir. O resultado é que, em geral, não só a política expansionista cumpre apenas parcialmente seus objetivos - dada, principalmente, a existência de falhas de mercado -, como tende a gerar um clima de imprevisibilidade sobre o ambiente econômico.

Em geral, o "efeito multiplicador" de gastos públicos é superestimado, além de ser difícil para o estado atuar de forma "cirúrgica" sobre o ciclo, i.e., saber exatamente o momento de intervir e o de sair, sem causar maiores problemas para as expectativas dos agentes. Uma evidência disso é que a normalização da política monetária norte-americana está cercada de dúvidas, além de não estarem claros os "esqueletos" criados no processo - o estrondoso aumento do balanço do Federal Reserve.

Em geral, as pessoas só consideram que políticas econômicas são boas porque elas teriam como efeito principal "amenizar" as recessões. Mas se a política econômica não é neutra nos demais períodos, é preciso sempre avaliar se antes da recessão ocorrer, ela estava sendo corretamente conduzida. Afinal, se fossemos enfileirar os suspeitos, é sempre mais prudente colocar a política econômica entre eles: vai que o policymaker é o verdadeiro culpado pela crise!

Em assim sendo, os governos deveriam pensar 10x antes de acionar os instrumentos de política econômica. O remédio pode acabar matando o paciente, ao invés de curá-lo. E para isso é sempre bom dar uma olhada - básica - no que foi escrito depois da Teoria Geral: afinal, já fazem quase 80 anos! 🙂

 

ps: repare que o que justifica a política econômica expansionista no mundo keynesiano é a existência de ociosidade de fatores de produção (capital e trabalho). Será que em uma economia com pleno emprego do fator trabalho, seria justificável fazer política econômica expansionista? Você conhece alguma economia que esteja operando dessa maneira?

Compartilhe esse artigo

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Email
Print

Comente o que achou desse artigo

Outros artigos relacionados

Modelo de Previsão da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) para 2025

Neste exercício, contruímos um algoritmo simples de cenarização para a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) em % do PIB, usando apenas dados públicos, simulações estatísticas, a literatura recente e a linguagem R. Em uma abordagem semi-automatizada, as simulações do modelo se aproximam das previsões do mercado para o ano de 2025.

Modelo de Previsão do Resultado Primário para 2025

Neste exercício, contruímos um modelo simples de previsão para o Resultado Primário do Setor Público Consolidado (acumulado em 12 meses, % PIB), usando apenas dados públicos, modelos econométricos, a literatura recente e a linguagem R. Em uma abordagem automatizada, as previsões do modelo se aproximam das previsões do mercado para o ano de 2025.

Estimando o Hiato do Produto do Brasil usando a linguagem R

Este exercício estima o Hiato do Produto do Brasil utilizando quatro métodos univariados distintos. Para lidar com o problema de fim de amostra causado por filtros univariados, incorporamos previsões do PIB provenientes de agentes econômicos e projeções simples, estendendo a série temporal além da amostra original. Todo o processo de coleta, tratamento, estimação e visualização dos hiatos foi realizado na linguagem de programação R.

Boletim AM

Receba diretamente em seu e-mail gratuitamente nossas promoções especiais e conteúdos exclusivos sobre Análise de Dados!

Boletim AM

Receba diretamente em seu e-mail gratuitamente nossas promoções especiais e conteúdos exclusivos sobre Análise de Dados!

como podemos ajudar?

Preencha os seus dados abaixo e fale conosco no WhatsApp

Boletim AM

Preencha o formulário abaixo para receber nossos boletins semanais diretamente em seu e-mail.