Inflação vs. taxa real de juros: por que a política monetária brasileira está sendo conduzida de forma errática?

O IPCA de fevereiro fechou 0,6%, acima das previsões mais pessimistas. Em 12 meses, ele acumulou alta de 6,31%. Nos últimos 38 meses a inflação medida pelo índice permaneceu acima ou igual a 5,5% - um ponto percentual acima do centro da meta - em 20 deles - ou seja, em mais de 50% do tempo. Nos últimos três anos, o IPCA permaneceu teimosamente no limite superior do intervalo de tolerância do regime de metas, como mostra o gráfico ao lado. Nele também é possível verificar que desde meados do ano passado, o índice vem se acelerando no acumulado em 12 meses.

No mesmo período, a política monetária passou por dois períodos distintos. De abril/10 a julho/11 houve um aumento de 375 pontos-base, fazendo a Selic sair de 8,75% para 12,5%, em resposta às pressões que se faziam presente à época. Já de agosto/11 até outubro/12, em resposta ao que a autoridade monetária chamou de ventos deflacionários vindos do exterior - cujo impacto foi estimado em 25% da crise 2008/09 - houve redução de 525 pontos-base, levando a Selic para o patamar atual, de 7,25%. Ao contrário do que pode-se pensar a princípio, a inflação não é somente explicada por choques de oferta e mercado de trabalho pressionado: os ciclos monetários não foram abandonados, como declarou recentemente o presidente do Banco Central.

Nesse contexto, é preciso verificar se a atual política monetária não estaria excessivamente expansionista - mesmo que seus efeitos sobre o nível de atividade ainda tenham sido muito tímidos - o que explicaria a difusão do aumento dos preços. Para verificar isso e não suscitar dúvidas, prossigamos em duas etapas. Em primeiro lugar, vamos definir o que venha a ser política monetária expansionista. Em segundo lugar, vamos explicar porque mesmo com baixo crescimento, a prática de uma política monetária expansionista pode sim gerar pressão inflacionária.

Para o primeiro ponto, considera-se uma política monetária neutra [ou, analogamente, uma taxa de juros real neutra] aquela que mantém a inflação constante ao longo do tempo. Dito isto, cito o economista Alan Blinder logo abaixo:

"Qualquer taxa de juros real mais alta [do que a taxa neutra] constitui 'contração monetária' [ou política monetária contracionista] e acabará implicando em uma queda da inflação; qualquer taxa real mais baixa é 'expansão monetária' e sinaliza um aumento de inflação" (Blinder, Alan S. Bancos Centrais: teoria e prática, pp. 55).

Dito isto, vamos aos dados. No gráfico abaixo é possível verificar que a taxa de juros real está abaixo de 2% desde julho do ano passado e que vem caindo desde o meio de 2011, quando era de 7,54% ao ano. Para qualquer estimação que se possa fazer para a taxa de juros real neutra da economia brasileira, provavelmente nenhuma delas consideraria um valor abaixo de 2%. Desse modo, seguindo a definição proposta por Blinder, é possível dizer que sim, há uma expansão monetária em curso no Brasil. E isso, quer o governo queira ou não tem como resultante mais inflação. 

Falta explicar o segundo ponto: por que há pressão inflacionária, vindo de uma expansão monetária, se o hiato do produto está negativo? Em outros termos, se a economia ainda não mostrou sinais claros de recuperação? Para clarear esse ponto, deixando de lado a teoria de que a inflação atual é puramente resultado de choques de oferta, é preciso avaliar os canais de transmissão da política monetária. Para isso, observe o diagrama abaixo, extraído do Relatório de Inflação do Banco Central:

O mecanismo de transmissão das decisões de política monetária atua sobre a demanda agregada por diferentes canais. Os principais são: a estrutura a termo da taxa de juros, o preço dos ativos, as expectativas, o crédito e o câmbio. No cenário atual, como já comentei aqui, as expectativas dos agentes em relação à inflação futura estão deterioradas. É claro que você deve considerar um mercado de trabalho rodando a pleno emprego e choques de oferta, como a alta de commodities do ano passado, além de algum repasse da desvalorização cambial, para explicar a inflação elevada do último triênio. Mas dentro do regime de metas o peso dado às expectativas não pode ser desprezado. Como posto no gráfico abaixo, o desvio dessas expectativas em relação ao centro da meta está aumentando.

Está claro, portanto, que a política monetária expansionista atual não só foi impotente para reduzir o hiato entre o produto efetivo e o potencial - dado que as restrições ao crescimento estão no lado da oferta e que as famílias estão excessivamente alavancadas - como contaminou as expectativas dos agentes, gerando pressão sobre o nível geral de preços. Em outros termos, a operação da política monetária brasileira é errática, porque gerou perda de credibilidade junto aos formadores de preço. Esse é mais um exemplo de que a teoria econômica deve ser respeitada. Nas palavras de Blinder, "(...) a definição proposta de neutralidade é orientada inteiramente para o controle da inflação, como parece apropriado dado que a estabilidade de preços é a responsabilidade prioritária de qualquer banco central".

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