Eu não sei você, leitor, mas eu meio que entendi a última ata do Copom como uma espécie de "volta à realidade", isto é, uma volta aos cânones da profissão. Isso ficou muito claro para mim no parágrafo 26, quando a ata diz que:
"O Copom pondera que o ritmo de recuperação da atividade econômica doméstica – menos intenso do que se antecipava – se deve essencialmente a limitações no campo da oferta. Dada sua natureza, portanto, esses impedimentos não podem ser endereçados por ações de política monetária, que são, por excelência, instrumento de controle da demanda".
Significa dizer que há esperança de que o Banco Central voltou aos princípios do Novo Consenso Macroeconômico. Estes são, em resumo, o que segue:
i) o crescimento econômico é dado pela disponibilidade de fatores de produção, tais como estoque de capital, mão de obra qualificada, boas instituições, pesquisa & desenvolvimento etc;
ii) a política monetária é neutra em relação à variáveis reais no longo prazo;
iii) no curto prazo existe um trade-off não estável entre inflação e desemprego, possivelmente devido à rigidez de preços e salários;
iv) medidas de política econômica afetam as expectativas dos agentes, logo devem ser levadas em consideração pelo policymaker;
v) é preciso que existam regras, de modo a ajustar a taxa de juros de curto prazo visando controlar a inflação;
vi) a política fiscal deve ter como objetivo manter o orçamento equilibrado, visando não deteriorar as contas públicas.
Nos últimos quatro anos nós, economistas sérios, vimos uma série de perturbações a esses princípios. Não foram poucos os economistas que os repudiaram, dizendo, por exemplo, que a política monetária deve ser utilizada para gerar crescimento econômico - na medida em que corrige (sic) preços importantes da economia, tais como câmbio e juros (sic, sic, sic). Nós, por outro lado, sempre dizemos que a política monetária deve servir para moderar o ciclo econômico, fazendo com que o hiato do produto (PIB efetivo menos o PIB potencial) se mantenha próximo a nulidade, o que, por sua vez, trará o desemprego para a sua taxa natural, fazendo com que a inflação se mantenha estável. Isto significa, em outras palavras, que sim, a política monetária pode ser anticíclica no curto prazo, mas nós nunca dissemos que ela deve ser anticíclica a todo o tempo. Isso nunca esteve nos princípios e foi justamente isso que nós vivenciamos nos últimos quatro anos, não apenas em relação à política monetária, mas preponderantemente em relação à política fiscal e parafiscal (a utilização de recursos dos bancos públicos para fins anticíclicos).
Nesse contexto, não é verdade que aqueles princípios, o cânone da profissão, ficaram obsoletos com o advento da crise - em particular, acredito que a violação desses princípios pelas economias desenvolvidas é uma das explicações da crise. Afinal, em relação ao crescimento econômico: se você estimular a todo o tempo os componentes da demanda (consumo, gastos do governo e mesmo investimento), e isso não for acompanhado pari passu por aumento da oferta doméstica, uma parte "vazará" para o resto do mundo via aumento de importações. Se olharmos para o crescimento brasileiro desde 2005 é perceptível que existe um hiato muito forte entre o comércio e a indústria. Aquele cresce muito mais rápido do que este. Só isso já seria um elevado indicativo de que há limitação no lado da oferta, dados nossos problemas com infraestrutura, mão de obra desqualificada, péssimo ambiente de negócios, judiciário ineficiente etc.
Significa dizer que o crescimento de 7,5% em 2010 foi anabolizado pelas medidas fiscais, monetárias e parafiscais desse governo. Nós crescemos estimulando os componentes da demanda, além do que a oferta doméstica poderia acompanhar. Resultado: as importações cresceram 21% em média ao longo daquele ano. Já a Indústria anda estagnada desde o mesmo período. A "trava" do crescimento brasileiro não estava no lado da demanda, logo NÃO DEVERIA SER TRATADA PELA POLÍTICA ECONÔMICA. Novamente, o uso de instrumentos fiscais e monetários deve ser feito APENAS para moderar o ciclo, mas não PARA CAUSAR CRESCIMENTO ECONÔMICO, dado que isso não é viável.
Em assim sendo, penso que, quando a ata sinaliza que não há espaço para maiores reduções da taxa Selic - dada a pressão inflacionária que vem de fora do hiato - observo que o Banco Central pisou no freio da brincadeira com o Ministério da Fazenda. Estamos aos poucos, leitor, voltando aqueles princípios? Acredito eu, do sentido de ter fé, que sim.
ps: a ata pode ser consultada aqui.