Mais cortes de juros no radar do Banco Central?

A última ata do Copom em seu aguardado parágrafo 35 foi enfática: "Diante do exposto, mesmo considerando que a recuperação da atividade vem ocorrendo mais lentamente do que se antecipava, o Copom entende que, dados os efeitos cumulativos e defasados das ações de política implementadas até o momento, qualquer movimento de flexibilização monetária adicional deve ser conduzido com parcimônia". Isto é, o Comitê sinaliza que mais cortes de juros não estão descartados, mas o processo de flexibilização da política monetária parece estar perto do fim, dadas as restrições estruturais a uma queda maior dos juros - notadamente a indexação da caderneta de poupança. Nesse contexto, cortes de 75 pontos-base estão descartados e para as próximas duas reuniões é possível vislumbrar mais dois cortes de 25 pontos-base cada uma, com a Selic estacionando em 8,5% a.a. Tudo certo no campo monetário, não?

Antes de irmos para as críticas propriamente ditas, consideremos o que diz o Relatório de Inflação e as últimas atas do Comitê. Em termos de nível de atividade, a autoridade monetária vislumbra um cenário de retomada, já mostrada inclusive nos números do 4º trimestre de 2011. Tal processo estaria calcado na expansão da oferta de crédito, na melhora da confiança de consumidores e empresários, na pujança do mercado de trabalho, na redução dos juros básicos e, em menor escala, nas transferências governamentais e no aumento do salario mínimo – este, ao menos, nesse início de 2012.

Tal expansão seria, entretanto, moderada, dada as incertezas ainda persistentes no cenário externo. Há dúvidas sobre a conclusão definitiva da crise na Europa e ainda ponderações sobre a retomada vislumbrada na economia norte-americana. Nas palavras da autoridade monetária: “(...) consolidou-se perspectiva de atividade mais moderada e mais heterogênea do que se antecipava. Nesse sentido, à melhora, na margem, da economia dos Estados Unidos, contrapõem-se sinais relevantes de deterioração da atividade em algumas economias maduras, bem como possíveis efeitos da recente alta do petróleo” (Relatório de Inflação de Março de 2012, pg. 79).

Indicadores selecionados dão conta dessa retomada do nível de atividade. O comércio demonstra elevação na venda de bens duráveis e não-duráveis, sendo aqueles mais sensíveis às condições de crédito enquanto estes às condições do mercado de trabalho. Os índices de confiança, tanto de consumidores quanto de empresários, têm se elevado, mostrando melhora de expectativas quanto ao cenário futuro. Além disso, para o Bacen a queda da produção industrial é mais pontual do que estrutural e que as perspectivas são favoráveis para o restante do ano – as discussões em torno de uma suposta desindustrialização fogem ao escopo da autoridade monetária.

Um ponto chama atenção para a autoridade monetária: o fato dos Investimentos terem crescido mais do que o PIB pelo segundo ano consecutivo. Isso ajuda a melhorar o descompasso entre oferta e demanda, o que em última instância favorece o balanço de riscos para o processo inflacionário. Desse modo, parece que a atividade econômica mostra sinais de retomada após a concretização dos efeitos defasados de política monetária, algo que foi aprofundado pelas incertezas do cenário externo. Tudo isso calcado em estabilização – aqui entendido como baixa probabilidade de o cenário piorar, mesmo que ele não melhore – do cenário externo e manutenção de condições favoráveis no quadro interno.

Vis-à-vis os desdobramentos internos e externos para o nível de atividade a autoridade monetária parece considerar um balanço de riscos positivos para o quadro inflacionário. Isto porque, os ventos desinflacionários de uma economia internacional em franca moderação se somam ao menor descompasso entre oferta e demanda. Destaque para as projeções otimistas sobre a trajetória de preços das commodities, apesar da ressalva sobre a pouca previsibilidade dos mesmos.

Os pressupostos para um quadro que acomoda retomada do nível de atividade com convergência para o centro da meta de inflação são postos em seis vetores: i) níveis de juros e de câmbio são consistentes com o nível de inflação projetado; ii) a inflação dos preços administrados se manterá em comportados 4% ao longo de 2012; iii) o superávit primário fica em 3,1%; iv) a alteração da estrutura de ponderação do IPCA possui efeitos benignos; v) a taxa de juros neutra se reduziu nos últimos anos, dadas mudanças estruturais na economia brasileira; vi) os ventos desinflacionários do cenário externo. Tais pressupostos sugerem que a inflação acumulada em 12 meses cai em ao longo do ano, fechando o quarto trimestre em 4,4% - 0,1% portanto abaixo do centro da meta. Além disso, o PIB fecha em 3,5%, o que dá um crescimento em termos per capita de mais de 2%, suficiente para manter baixa a taxa de desemprego.

Como nem tudo são flores – e aqui começam as críticas – a partir de 2013 o Banco Central admite um cenário em que a inflação passa a se acelerar, mesmo que o nível de atividade não fuja muito do que se convencionou chamar de potencial de crescimento. A esse processo a autoridade monetária atribui dois vetores principais: i) os riscos associados a um crescimento dos salários acima da produtividade; ii) os mecanismos de indexação que ainda persistem na economia brasileira. Ao fim e ao cabo, tudo indica que crescer um pouco mais não é condizente com inflação no centro da meta.

Em outros termos, conduzir uma política monetária anticíclica tem lá seus custos implícitos. E isso mesmo se considerarmos que a taxa de juros neutra – aquela que é compatível com o nível de desemprego que não pressiona a inflação – se reduziu ao longo dos últimos anos. Ao que se vê, o nível de inflação é alto não porque a política monetária tem sido conduzida de forma irresponsável, mas porque os mecanismos de retroalimentação ainda são persistentes. O Banco Central aceita, implicitamente, que não adianta prejudicar o nível de atividade – comprimir a demanda – para tentar atingir um nível reduzido de inflação, dada a inércia que ainda persiste na economia brasileira. É talvez esse ponto que não tenha ficado claro – ainda – para o mercado e que vem provocando sensível deterioração da credibilidade daquela instituição.

 

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