Por que não vale a pena [para o Banco Central] trair o público e por que devemos esperar aumento da Selic nas próximas reuniões?

Uma matéria pequena no Valor de hoje [25/03], publicada na página C3 sob o título "Tombini sanciona alta de taxas futuras" me trouxe à mente a pergunta do título. A matéria cita o presidente no que segue: "Não resta dúvida de que a comunicação é parte importante do processo de condução da política monetária. O ajuste da mensagem do BC, por si só, já determinou mudanças nas condições financeiras de modo geral". O jornalista do Valor, Alex Ribeiro, no quinto parágrafo cita implicitamente um resultado do modelo Barro-Gordon (1983), quando diz que:

"Uma questão é se o BACEN vai agir de forma oportunista, mantendo a Selic onde está, dando-se por satisfeito com o serviço feito pelos juros futuros. É algo bastante improvável. A relação entre o BACEN e o mercado se dá por jogos repetidos. A estratégia renderia ganhos no curto prazo, mas comprometeria a credibilidade do BC em ações futuras. Além disso, Tombini foi claro em dizer que sua ação verbal não encerra o trabalho: "a comunicação é parte importante do processo de condução da política monetária".

No modelo Barro-Gordon, há um caso estudado em que, dado que a relação entre o BACEN e o público se dá por jogos repetidos, o público pode optar por três caminhos, quando o Banco Central anuncia uma meta: i) acreditar no BACEN e este não trair; ii) não acreditar no BACEN; iii) Acreditar no BACEN e este trair. O que o jornalista Alex Ribeiro está dizendo é que, dado que a relação entre o público e a autoridade monetária não se encerra em um único período do tempo - ela se mantém por vários períodos - a credibilidade do Banco é importante. Caso o mesmo possua credibilidade - que nesse caso se converte simplesmente em acreditar no que o banco está dizendo - o público acredita e a meta é cumprida, se o Banco Central faz o que anunciou.

Na matéria, o jornalista chama atenção para o terceiro ponto: o público acredita no BACEN e ele trai. Nesse caso,em um modelo de dois períodos, a autoridade monetária consegue ganhos em termos de produto no período 1. No período 2, porém, os agentes tenderão a formar expectativas mais elevadas de preços, o que significa que o Banco Central perdeu credibilidade. Nesse contexto, a credibilidade é uma variável exôgena e existem dois "problemas" em relação à política monetária: inconsistência temporal e viés inflacionário.

Existe inconsistência temporal [ou dinâmica] se uma ação que provoca benefícios no curto prazo diminui bem-estar no longo prazo. Claramente, ao trair o público, o Banco Central está elevando as expectativas de inflação no período 2, o que trará perdas de bem-estar para todos. Ademais, a "tentação de trair" é o que a teoria classifica como viés inflacionário do Banco Central: a ideia de tentar manter o produto efetivo acima do potencial, gerando pressão inflacionária sobre a economia. Ou, o que seria uma atualização do modelo: tentar manter a taxa básica abaixo daquela considerada neutra.

As recomendações do modelo são claras: não vale a pena trair porque isso implica em perda de credibilidade e formação de expectativas mais elevadas sobre preços futuros. Nesse caso, espera-se que o Banco Central vá elevar a Selic nas próximas reuniões, dado que o próprio presidente já antecipou isso. Mas, como esse governo não considera o canal de expectativas, vai saber...

 

ps: parabéns ao jornalista.

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