Sobre a condução da política monetária no pós-crise

O nome do jogo, leitor, é credibilidade. O regime de metas de inflação é funcional apenas se os agentes econômicos acreditam no que o Banco Central lhes diz. Caso contrário, a meta de inflação não é crível e os formadores de preços deixam de tê-la como baliza para suas projeções. A esse processo os economistas chamam de desvio entre a inflação esperada e a inflação efetiva. Estaria o Banco Central Brasileiro gozando [ainda] de credibilidade?

O objetivo básico do regime de metas é fazer com que as expectativas de inflação dos agentes convirjam para a meta [o target] previamente anunciado. Tal processo, diz a literatura, é menos custoso [mais suave] se a autoridade monetária goza de credibilidade. Isto é, os agentes acreditam que o mesmo não poupará esforços para que a meta seja atingida – basicamente, elevando os juros de curto prazo se necessário for. Isso, claro, em tempos normais.

O problema, leitor, é que não vivemos tempos normais. Longe disso, inclusive. Diante de uma das maiores crises do sistema de mercado, os Bancos Centrais de todo o mundo parecem ter rasgado o manual e estão comprometidos com a solvência de suas economias. Isso implica em utilizar não apenas a taxa básica de juros, mas também injeções cada vez maiores de liquidez [Money] na veia do sistema financeiro. Resolve? Não, apenas compra um pouco de tempo.

Nesse contexto, em tempos anormais, a preocupação com a meta de inflação pode ser secundária. O quê, diriam os monetaristas clássicos. Sim, a meta de inflação perde espaço diante do fantasma da recessão. Isso, claro, para os países desenvolvidos. Mas e para nós, brasileiros? Será que o Banco Central faz bem em baixar a taxa básica a níveis historicamente mínimos ou ele erra na mão? Depende, é claro.

Em primeiro lugar, é preciso analisar a questão conjuntural. A economia brasileira lida atualmente com duas forças desiguais. De um lado, a indústria capenga, dado o balanço de custos negativo gerado por uma taxa de câmbio valorizada e [principalmente] um conjunto de custos estruturais [carga tributária, péssima infra-estrutura, baixo nível educacional etc.]. De outro lado, com a manutenção de níveis de desemprego historicamente baixos e elevação da relação crédito/PIB o setor de serviços parece dar de ombros para a crise – que crise? E assim, vivemos um misto de confusão: inflação de serviços convivendo com uma quase inércia industrial.

O organismo econômico é dinâmico e reativo, leitor, não se esqueça. A indústria está se adaptando ao meio, bem ao gosto de Aluísio Azevedo. Para enfrentar esse balanço de custo adverso começou a substituir insumos nacionais por importados, buscando competir com os produtos estrangeiros. Além, é claro, de pedir uma “ajudinha” ao ministro da Fazenda – os pires sempre aparecem nesses momentos, afinal.

Tido isso como alento, partamos para o segundo pleito. A economia brasileira está caminhando para baixas taxas de crescimento. Fato. Mas isso significa que a inflação dará trégua? Não parece ser o caso, dada a dinâmica do consumo das famílias. Desse modo, parece que chegamos a uma encruzilhada: o potencial de crescimento da economia brasileira parece ter despencado, graças a uma perda de produtividade e o problema da baixa escolaridade da mão de obra – problemas conhecidos há algum tempo, vai.

PIB potencial mais baixo, crise internacional e política monetária expansionista só pode dar em uma coisa, leitor: volatilidade. Lembrando que o objetivo básico da autoridade monetária é servir de balizador de expectativas. Confundi-las, diz a teoria, é mau negócio, dado que delas depende a própria trajetória futura da inflação. Mas tudo bem se a inflação não é mais um problema, certo?

Afinal, diz o Banco Central, ela está em franca convergência para a meta, dado o cenário doméstico fraco e a piora da crise internacional. Em assim sendo, a preocupação fundamental é [mesmo] com o crescimento. Temos nossas dúvidas, leitor amigo. Como dito [e reconhecido pelo próprio BCB], o mercado de trabalho segue como variável crítica para a convergência; além disso, temos [sempre] dúvidas sobre o comprometimento do governo com o superávit primário.

O Banco Central diz que tudo bem. Isto porque, no cenário em que a demanda se recupera [consumo apoiado por aumento da renda e por crédito; investimento privado e público apoiado pelo BNDES e pelo PAC], a indústria tem capacidade ociosa suficiente para não gerar pressão inflacionária. Mas e o setor de serviços? É, esse pode ser um problema...

As lições da crise, como apontam Olivier Blanchard et al. no artigo Rethinking Macroeconomic Policy, envolvem uma certa calibragem no regime de metas de inflação. Calibragem, leitor, não abandono. Especificamente no que tange à credibilidade os autores dão o seguinte recado:

“(...) The second issue relates to central bank credibility. If the target were increased by, say, 2%, how could the public be reassured that further changes would not be made? This is an important concern, present in all instances in which a central bank, is transparency and pedagogy, a careful explanation of why changes have been made”.

Estaria, portanto, o Banco Central Brasileiro sendo transparente na exposição de motivos da atual política monetária expansionista? Estando o próprio banco ciente de que a inflação aumenta a partir de 2013, dada a deterioração nas expectativas, é pouco provável que os juros permanecem baixos por muito tempo. Trocando em miúdos, a atual redução da taxa Selic não é crível no tempo. Ela durará apenas enquanto a economia brasileira não mostrar sinais de recuperação mais contundentes. Depois disso, os juros aumentarão. Isso já está precificado na curva de juros – apesar de esta não ser uma boa medida de previsão para as taxas nominais futuras, como nos lembra Alan Blinder. Juros maiores já a partir de 2013, inflação implícita na NTN-B idem.

Assim sendo, parece que a autoridade monetária está se arriscando em demasia ao não demonstrar seu recuo em relação à meta de inflação. Seria bem mais prudente se o Banco Central admitisse – de uma vez por todas – que trabalha com uma inflação acima do centro da meta para o horizonte que vai até o próximo ano. E isso em função, notadamente, da combinação de uma crise internacional de grandes proporções com uma taxa de desemprego efetiva bem abaixo da que seria não inflacionária. O mercado seguiria menos volátil e a credibilidade do BCB não seria arranhada. Ou seja, ganharíamos todos...

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