Carta de Agosto: mercado de trabalho e o atual ciclo de aperto monetário.

O comportamento do mercado de trabalho brasileiro nos próximos meses tem sido motivo de questionamento pela maior parte dos analistas de conjuntura. A pergunta mais comum é se o oxímoro entre baixo crescimento com baixo desemprego continuará ou se, do contrário, o mercado de trabalho mostra sinais de reversão. Ademais, questiona-se o fato de que esse "baixo desemprego" seria (ou não) considerado pleno emprego. Em outros trabalhos nos atentamos para a segunda questão. Nas próximas linhas faremos um breve comentário sobre o oxímoro, identificando as variáveis-chaves que devem ser acompanhadas nesse segundo semestre. 

Em primeiro lugar, a despeito do crescimento brasileiro ter recuado dos 4,2% no primeiro trimestre de 2011 para 1,9% no primeiro trimestre desse ano (contra igual trimestre do ano anterior), a taxa de desemprego dessazonalizada de junho foi de 5,6%. Um número que pode ser tudo, menos elevado para os padrões da economia brasileira - na série atual da Pesquisa Mensal do Emprego (PME), que se inicia em março de 2002, o desemprego mediano dessazonalizado fica em 8,8%. Em outros termos, para verificar alguma inflexão nesse mercado é preciso avaliá-lo mais aprofundadamente.

Nesse contexto, tomemos duas métricas, a População em Idade Ativa (PIA), isto é, a oferta de trabalho (potencial e efetiva), e a População Ocupada (PO), ou seja, a demanda por trabalho. Com essas duas séries em mãos, tomemos a variação interanual e trimestralizemos as mesmas. Por fim, adicionando a taxa de desemprego dessazonalizada para o período 2010-2013, obtemos o gráfico abaixo.

piaepo

Nele é possível verificar claramente que a taxa de crescimento da população ocupada (a demanda por trabalhadores) encontra-se acima do crescimento da oferta (da PIA) ao longo de todo o período, o que é determinante para explicar a queda na taxa de desemprego. A exceção desse comportamento é feita justamente no último dado do gráfico, que é o segundo trimestre desse ano. Neste, a PIA cresceu 0,9% enquanto que a população ocupada obteve crescimento de 0,5%. É precisamente esse dado que vem chamando a atenção dos analistas: será que ele pode ser encarado como uma tendência, dada a baixa expectativa de crescimento para esse e para o próximo ano (pelos dados do Focus, respectivamente, 2,24% e 2,6%)?

Complementando a análise com os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do Ministério do Trabalho, podemos verificar alguma desaceleração. Em 2013, até junho, foram gerados liquidamente menos postos de trabalho do que nos dois  anos anteriores: 826,1 mil nesse ano contra 1,4 milhões no ano passado. Se desagregarmos esse dados, verificamos que os serviços mostram comportamento similar - setor este que tem sido apontado em várias análises como responsável último por essa discrepância entre baixo crescimento e baixo desemprego. Além disso, como pode ser visto no segundo gráfico, posto abaixo, o crescimento interanual das admissões tem registrado um comportamento menos sistemático, alternando valores positivos e negativos no período mais recente. É um cenário completamente distinto do verificado nos dois anos anteriores, quando as variações interanuais eram robustamente positivas.

caged

Essa possível inflexão no emprego estaria em sintonia com a frustração das expectativas de retomada em 2013. Além disso, dado que estamos vivenciando um ciclo de aperto monetário, espera-se que haja algum contágio no mercado de trabalho. Pelos estudos empíricos sabe-se que a defasagem envolvida entre o início do aumento da taxa básica e seu efeito sobre os preços é de seis a nove meses. Com isso em mente, tomando a taxa Selic defasada dois trimestres e a taxa de desemprego dessazonalizada, é possível verificar uma relação positiva entre ambas, conforme o gráfico abaixo - ainda que não represente uma relação precisa, servindo apenas para efeitos de ilustração. Em outros termos, aumentos na taxa básica de juros, aguardada a defasagem envolvida no processo de transmissão, geram algum efeito sobre o nível da taxa de desemprego.

selicedesemprego

A despeito dessa explicação cíclica, haveria alguma quebra no jeito de entender o mercado de trabalho brasileiro, representado em grande medida pela redução da taxa de fecundidade, abaixo dos dois filhos por mulher nos últimos vinte anos. Essa mudança teria produzido uma taxa de crescimento da PIA estruturalmente baixa. Em outros termos, o crescimento médio anual de 1,5% nos últimos dez anos da PIA deveria ser encarado como uma espécie de limite superior do crescimento da oferta de trabalho. Essa "folga" na oferta (se é que podemos usar o termo) daria algum fôlego na transmissão do aumento dos juros para a taxa de desemprego, via redução da população ocupada.

Caberá, nesse aspecto, verificar o comportamento das contratações nesse segundo semestre, tipicamente um período de aceleração. Chama atenção aqui a desaceleração nas vendas do varejo, captada pela Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) do IBGE, um dos componentes mais beneficiados pela política econômica expansionista. Outra pesquisa que será importante acompanhar é a Pesquisa Mensal dos Serviços (PMS), que começará a ser divulgada esse mês pelo mesmo IBGE. Comércio e Serviços, setores intensivos em mão-de-obra, que têm sido apontados como uma das causas desse oxímoro entre baixo desemprego e baixo crescimento.

Essa mudança estrutural no mercado de trabalho, proporcionada por menor crescimento da oferta, implica que a quantidade de demanda por mão de obra das empresas deve ser relativamente menor para não pressionar a taxa de desemprego. Desse modo, mesmo com a aparente redução no número de empregos gerados no período recente, o equilíbrio entre oferta e demanda pode ser alcançado em um ponto mais baixo, fazendo com que a taxa de desemprego não seja muito pressionada. Tal situação depende do impacto do ciclo de aperto monetário sobre o mercado de trabalho e, portanto, das expectativas dos empresários para o cenário relevante. Será que a autoridade monetária fará o ajuste de juros até o ponto em que cause algum impacto sobre o emprego, convergindo as expectativas de preço para a meta? Nossa previsão é que o nível de juros básicos fique entre 9,25% e 10% nesse ano, valores menores do que a taxa neutra da economia. Em assim sendo, a ociosidade do mercado de trabalho, ao menos no que depender apenas da política monetária, tenderá a se manter baixa.

(*) Os gráficos são de elaboração própria, com dados do Banco Central, MTE e do IBGE. 

(**) Artigo publicado originalmente em www.conjuntura.uff.br

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