Macroprudenciais vs. taxa básica de juros

A inflexão na condução da política monetária, feita no fim de 2010, tem gerado um debate interminável nos principais jornais do país. Se antes o Banco Central calibrava uma meta operacional (a taxa básica de juros) em busca de um único objetivo final (a estabilidade de preços), a partir daquele momento pareceu preocupado com outros fins (crescimento e taxa de câmbio). E para atingi-los faz uso de outros instrumentos, chamados macroprudenciais. Há alguma inconsistência nisso?

Até a crise de 2007/08 a autoridade monetária seguia o cânone estabelecido na década anterior, cujo palavrão era Novo Consenso Macroeconômico. Nele, estavam previstos algumas coisas importantes, tais como: i) o produto potencial da economia deve ser estimado; ii) no longo prazo a política monetária só afeta variáveis nominais; iii) no curto prazo existe um trade-off não estável entre inflação e desemprego; iv) as expectativas dos agentes importam; v) a política monetária deve ser conduzida a partir de regras[1].

Tudo isso foi deixado ao largo frente ao “mal maior”: combater com políticas anticíclicas as conseqüências da crise americana. E assim tanto os Bancos Centrais afrouxaram a política monetária, quanto os Tesouros Nacionais fizeram uso maciço da política fiscal para aumentar a liquidez e reduzir o grau de desconfiança dos agentes. Em um primeiro momento tal empreitada parece ter dado certo e o tombo foi menor do que se propalava aos quatro cantos. Hoje, economias como a brasileira vivem problema inverso: estão aquecidas e lidando com o aumento dos preços. E agora?

O dilema que tem atormentado as autoridades monetárias de todo o mundo é se passado o “mal maior”, deveríamos voltar para aquele “consenso” ou se deveríamos tomar outra direção. E é justamente nesse ponto que se encontra a atual discussão envolvendo medidas macroprudenciais e calibragem da taxa básica de juros. Economistas mais identificados com o “consenso” dizem que o uso das primeiras não impede a calibragem mais arrojada da segunda, dado as características de um e de outro. Já para os dissidentes, o Banco Central e o próprio governo deveriam trabalhar com mais de um objetivo, dado que possuem mais de um instrumento a sua disposição.

O primeiro grupo de economistas é reticente quanto a esse tipo de postura. Para eles a função última das medidas macroprudenciais não é a mesma que a da taxa básica de juros. Isto porque, medidas como aumento do compulsório ou maior exigência de capital dos bancos funcionam muito mais como reguladores da estabilidade do sistema financeiro do que da demanda agregada – ainda que tenham impacto indireto sobre a mesma. Dados os mecanismos de transmissão da política monetária, a calibragem da taxa básica de juros tem maior poder de contenção sobre uma inflação de demanda.

O uso dos instrumentos clássicos à disposição da autoridade monetária é propagado na economia, com certa defasagem, pelos seguintes meios: i) crédito; ii) preço dos ativos; iii) estrutura a termo da taxa de juros; iv) expectativas; v) câmbio. Os economistas do “consenso” diriam que medidas macroprudenciais teriam efeito reduzido sobre os dois últimos, justamente os mais relevantes no processo de transmissão da política monetária. Desse modo, a calibragem da taxa básica de juros passa a ser fundamental para a contenção do aumento de preços.

É claro que há mais ingredientes nessa discussão do que os mencionados. Um deles é que a inflação atual não é apenas resultado do descolamento entre oferta e demanda agregadas, mas também de choques de oferta (interno e externo). E em assim sendo, dizem os economistas do dissenso, o instrumento convencional de política monetária não deve ser utilizado. “Não se pode matar a galinha dos ovos de ouro”, diz o seu agente representativo, o Ministro da Fazenda Guido Mantega.

Um segundo ingrediente, talvez o mais importante, é a orientação teórica por trás de um e de outro grupo. E isso é tema para artigo posterior. Mas apenas para deixar o leitor a par, podemos dizer que para os economistas do “consenso” inflação boa é inflação morta. Já para os dissidentes, há de considerar outros fatores em relação ao processo inflacionário. Ao que nos cabe nesse momento, o Banco Central e o próprio Ministério da Fazenda parecem entender que as macroprudenciais cumprem uma função e a calibragem da taxa básica outra, bastante distinta. Parecem, enfim, que voltaram a ser amigas!


[1] Para os interessados no assunto ver Taylor, John B. “A core of pratical macroeconomics”, American Economic Review, Maio de 1997, pg. 233-235.

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