O Brasil e a crise internacional

Como apontado no post anterior, o mundo voltou a dar sinais de maior incerteza, dados os problemas com EUA e Europa. O aumento da aversão a risco fez com que as principais bolsas fechassem em queda, gerando ainda mais pânico no mercado. A pergunta que ficou é: como isso afeta a economia brasileira?

Basicamente, por dois canais: um financeiro e outro comercial. No primeiro a maior aversão a risco afugenta capitais estrangeiros aplicados em ativos nacionais, fazendo com que a demanda por dólar aumente, gerando depreciação cambial. No segundo, a menor demanda global, consequência de uma redução do consumo e do investimento internacionais, faz com que tanto a quantidade [quantum] quanto o preço das nossas exportações se reduzam. Isso faz diminiuir a oferta de dólar, tendo o mesmo efeito anterior: depreciação cambial.

Ademais é preciso lembrar que o que vem sustentando o superávit comercial brasileiro nos últimos anos é justamente um efeito-preço, dado pelo considerável aumento das commodities [item de suma importância em nossa pauta de exportações]. Tal elevação foi proporcionada, em muito sentido, por um canal financeiro: a migração de capitais para o mercado futuro de commodities. Com uma maior aversão a risco preponderando nos mercados, ocorre também uma fuga desses ativos, fazendo com que os preços de commodities caiam também por este canal. Em outros termos, a queda de preços dos commodities pode ser amplificada pelo canal financeiro, o que igualmente amplifica a queda nas exportações, no saldo da balança comercial [e no da conta-corrente] e, portanto, na depreciação cambial.

A depreciação cambial é problemática porque gera aumento de custos das empresas no mercado interno, pressionando os índices de preços. A reação no passado a isso era mais aumento de juros, dado o regime de metas de inflação. Tudo mudou, entretanto, no pós-crise 2008/2009. Isto porque, é preciso analisar a queda de preços dos commodities em dois fronts: o já discutido, o que prejudica a balança comercial [e, portanto, a conta corrente] e o outro, que ajuda no controle à inflação doméstica. O primeiro atua no sentido de amplificar a depreciação cambial, já o outro serve como alívio para cadeias produtivas que utilizam commodities como insumos. Nesse último caso, a inflação é menos pressionada. Em outros termos, na crise de 2008/2009, um [a depreciação cambial] foi compensada pela outra [queda dos preços de commodities], gerando espaço para que o Banco Central pudesse praticar uma política monetária anticíclica.

Não fosse a compensação das commodities, a depreciação cambial gerada pela fuga de capitais [e pelo menor valor de exportações] acionaria uma subida de juros, visando manter a inflação sob controle.

Na atual turbulência, o leitor ponderará que a situação brasileira em termos de reservas internacionais é até mais favorável do que naquela época [US$ 210 bilhões lá, US$ 340 bilhões hoje]. Além disso, a relação dólar-bovespa parece mais favorável hoje do que naquela época: a queda da bolsa na segunda-feira [8 de agosto] provocou menor depreciação do câmbio do que no auge da crise de 2008 [a falência do Lehman Brothers]. Isso pode ser explicado por um dos seguintes motivos: ou a participação estrangeira na BOVESPA está menor, ou os estrangeiros migraram para outros ativos brasileiros [renda fixa, por exemplo], o que não exige demanda por dólar. Logo não pressiona a taxa de câmbio.

De qualquer modo, fique o leitor ciente que os canais de contaminação da crise na economia brasileira são dois: o comercial e o financeiro. Via exportações menores [tanto em termos de quantidade quanto preço] e via fuga de capitais pelo lado financeiro. O ajuste será sempre via taxa de câmbio: maior demanda ou menor oferta por moeda estrangeira fazem com que o real se deprecie, atingindo os preços internos e forçando o Banco Central a acionar o principal instrumento de política monetária. Caso esse movimento de depreciação seja menor ou seja compensado pela queda de preços das commodities, fica o Banco Central autorizado a praticar política anticíclica. Esse, inclusive, é o cenário mais provável.

Ninguém projeta uma depreciação muito forte da taxa de câmbio nos próximos meses, a ponto de o Banco Central ficar impedido de praticar uma nova política monetária anticíclica. Além disso, o nível da taxa básica brasileira permite uma redução [em 2012], ao contrário dos países desenvolvidos, caso a situação se agrave no curto prazo. Em síntese, o Brasil não está imune, mas em uma situação de vigilância.

O próximo post é sobre a postura do Banco Central diante da turbulência internacional: a Selic para de subir ou não?

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