O professor Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda e da administração federal, um dos pilares do novo-desenvolvimentismo, publicou artigo hoje no Valor, em que opõe estratégias liberais e desenvolvimentistas para promover crescimento econômico. Entre um lado e outro, a opinião do autor é de que nem o liberalismo econômico, nem o desenvolvimentismo "comum" (explico a seguir) conseguirá promover elevado crescimento, porque ambos trabalhariam com taxa de câmbio fora do que Bresser e os novo-desenvolvimentistas chamam de "taxa de equilíbrio industrial", a taxa que torna competitiva as empresas nacionais de bens comercializáveis, nas palavras do autor. Bresser cita trabalho de Oreiro et al. (2013), para inferir que essa taxa estaria hoje em 3,26 R$/US$ (o trabalho dos autores está disponível aqui). A despeito de não concordar com nada que está escrito no artigo do professor Bresser, o que mais me chama atenção em debates envolvendo a taxa de câmbio é a pergunta que dá título a essa post. Será possível, leitor?
Antes, entretanto, de chegarmos a resposta dessa pergunta (ou ao encaminhamento da resposta), o que seria novo-desenvolvimentismo? Para uma resposta a isso, recomendo o bom e direto texto O novo-desenvolvimentismo e a decadência ideológica do estruturalismo latino-americano, de Rodrigo Castelo, disponível aqui. Nele o autor vê o nascimento do novo-desenvolvimentismo como uma espécie de Terceira Via, na disputa pela hegemonia ideopolítica para a consolidação de uma estratégia de desenvolvimento alternativa aos modelos em vigência na América do Sul, tanto ao 'populismo burocrático' quanto à ortodoxia convencional. O principal objetivo dessa corrente é compatibilizar crescimento com distribuição de renda. Isso é possível via a presença ostensiva da figura do Estado forte, regulador e potencializador do bom empresário nacional. Em outros termos, os instrumentos fiscais, monetários e creditícios à disposição do governo devem ser utilizados de forma ativa, visando, por exemplo, levar o câmbio para a "taxa de equilíbrio industrial". Críticas a essa corrente, por suposto, leitor, também podem ser lidas no texto do Rodrigo Castelo.
Já sobre a diferença entre velho (ou "comum", como define Bresser, que nessa concepção parece estar incluindo o que vem sendo chamado contemporaneamente de "social-desenvolvimentismo") e novo-desenvolvimentismo recomendo o texto do professor Marcelo Carcanholo, Neoconservadorismo com roupagem alternativa: a Nova Cepal dentro do Consenso de Washington (disponível aqui). Nele o autor traça uma breve evolução do pensamento da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), em como a mesma se posiciona frente às reformas liberais da década de 90 (e, por suposto, a não-adequação das políticas desenvolvimentistas das décadas de 50 e 60). Ainda que a "Nova Cepal" não seja um representante fiel do que Bresser classifica como novo-desenvolvimentismo, as propostas defendidas por ambos possuem mais convergência do que propriamente divergências. O mais importante, ademais, é que em um nível de abstração adequado, o papel do Estado seja para a "Nova Cepal", seja para os novo-desenvolvimentistas, deve ser ativo e o desenvolvimento deve ser buscado para além das fronteiras nacionais - esta última uma clara divergência em relação ao pensamento clássico dessa corrente. Para outra leitura sobre a evolução do desenvolvimentismo, há o texto do Reinaldo Gonçalves, em que ele associa o novo-desenvolvimentismo ao que considera como "liberalismo enraizado", a exemplo do professor Carcanholo, disponível aqui, ou seja, a diferença entre as duas correntes seria apenas de mix de política econômica.
Nesse contexto é que o câmbio deve ser visto como uma variável crucial. Como a indústria, para essa corrente, é a única que pode gerar aumentos persistentes no nível de produtividade, ela deve ser priorizada na estratégia nacional de desenvolvimento - supondo, claro, que essa última seja necessária. Em particular, a indústria de bens comercializáveis depende de uma taxa de câmbio competitiva, dado que está diretamente exposta à concorrência com seus pares internacionais. Sem essa taxa, a indústria perece, a produtividade cai e o crescimento será baixo.
Minhas questões divergentes com esse grupo de economistas são muitas. Em primeiro lugar, por que só a indústria pode gerar ganhos persistentes de produtividade? Se tomarmos a economia brasileira, os maiores ganhos de produtividade têm vindo do setor agrícola, a despeito de, conforme esses autores, a taxa de câmbio estar sobre-valorizada em 48%. E aqui não soa muito atual citar a "lei dos rendimentos decrescentes" de David Ricardo para explicar que o setor agrícola está condenado a reduzir esses ganhos: o setor hoje conta com fartos investimentos em pesquisa, gerando inovações e, consequentemente, aumentos de produtividade. Será que isso está fadado a entrar em declínio?
Já com relação ao tema desse breve post, minha dúvida principal nesse debate é se, de fato, seria possível levar a taxa de câmbio para o ponto de "equilíbrio industrial" e, claro, lá permanecer. A primeira questão é meio simples: dá para levar o câmbio para os 3,26 R$/US$. Na atual conjuntura, então, é mais fácil ainda: basta parar os leilões de swap, manter a taxa básica de juros no patamar que está e continuar com a atual política fiscal que muito em breve o câmbio chega nos 3,26 R$/US$ defendidos pelos autores. O problema é o custo disso, em termos de pass-through, ou seja, de repasse dessa desvalorização para os índices de inflação. Em outros termos, qual a velocidade ideal de desvalorização, para chegar no nível requerido pelos novo-desenvolvimentistas?
Esse problema deriva de um fato simples: da capacidade do goverrno definir a taxa de câmbio que quer, ou seja, fazer a mesma chegar e orbitar em torno dos 3,26 R$/US$. Tal capacidade está diretamente ligada à poupança doméstica, como mostram em outro breve texto, Fragelli e Cavalcanti (disponível aqui). Isto porque, para desvalorizar a taxa, o Banco Central deve entrar no mercado comprando dólar, visando reduzir a oferta de moeda estrangeira. Essa compra de dólar implica em aumento da base monetária, porque reais serão dados em troca da moeda estrangeira. Para não gerar inflação, o banco deve esterilizar esse aumento da base via venda de títulos públicos, na mesma proporção. Se a poupança doméstica é baixa, como o é a brasileira, o Banco conseguirá a todo o momento esterilizar esse aumento da base monetária? Conseguirá compradores para os títulos que colocar no mercado? Em outros termos, como o Banco Central conseguirá manter a taxa de câmbio orbitando em torno desses 3,26 R$/US$?
Em assim sendo, leitor, seja o câmbio importante ou não, seja a indústria o setor mais importante ou não, minha questão principal nesse debate é puramente "operacional". Eu tenho dúvidas sobre a capacidade do governo brasileiro não apenas de levar, mas de manter a taxa de câmbio seja em qual taxa for considerada de "equilíbrio competitivo". Eu gostaria, sinceramente, que algum representante do novo-desenvolvimentismo respondesse essa minha indagação.
(*) O artigo do professor Bresser pode ser lido aqui.
(**) O problema de controlar a taxa de câmbio implica em uma questão mais geral, em termos macroeconômicos, que abordarei em outros momentos. No post, por questão de simplicidade, indaguei apenas o problema em relação à compra de moeda estrangeira, que afetaria a oferta no mercado de divisas. Mas há ainda o lado da demanda: se a demanda aumenta muito, por aumento da aversão a risco, por exemplo, o Banco Central tem que está disponível para ofertar moeda estrangeira nesse mercado. Ou seja, controlar a taxa de câmbio implica necessariamente que a autoridade monetária possui grande quantidade de reservas internacionais e que a mesma é neutra em relação a inflação. O modelo que representa a economia não é mais, desse modo, o modelo de metas de inflação. Passa-se para um regime de metas cambiais, em que tanto juros quanto inflação são as variáveis de ajuste. Dois pontos, nesse sentido a ratificar. O primeiro, abordado no texto, implicitamente, é que para ter um volume tão alto de reservas, capaz de gerar essa neutralidade em termos de inflação, implica em poupança igualmente elevada. Alternativamente, o governo pode pagar juros muito mais elevados, para tentar atrair poupança privada. Isso é uma das formas de mexer com as preferências dos agentes, entre consumo presente e futuro. E, claro, depende também da sensibilidade desses agentes a abstenção de consumo no presente. Além disso, para barrar o efeito da paridade da taxa de juros, aquela que implica que diferenciais entre taxa de juros interna e externa modifica a expectativa por desvalorização cambial, você tem que fazer uso de controles de capitais, cuja eficiência não é compravada e os custos, em termos de credibilidade, são elevados.