Sobre a Desvalorização do Real

"O mercado [de câmbio] é flutuante", respondeu o Ministro Mantega às perguntas dos jornalistas sobre a recente desvalorização da moeda brasileira. Contra fatos, leitor, não há mesmo argumentos, não é mesmo? Ora, se o câmbio é flutuante no país, não é de se espantar com o recente movimento para cima da moeda. O problema é que não faz alguns meses o mesmo ministro deu declarações fortes sobre a defesa de um piso para a taxa de câmbio, dizendo se tratar de um fator determinante para a competitividade das empresas brasileiras. Ontem, após a moeda esbarrar nos 2 R$/US$ o Ministro voltou a citar a tal competitividade, alegando que uma taxa de câmbio mais alta é boa para a competitividade nacional. Logo, não haveria preocupação do governo com o tema. Certo, leitor?

Como pode ser visto no gráfico abaixo a taxa de câmbio experimenta movimento de alta desde fins de fevereiro quando o governo, via medidas fiscais e intervenções sistemáticas de compra do Banco Central, decidiu "comprar a briga" por um câmbio mais desvalorizado. Ele era de 1,7024 em 27 de fevereiro e ontem fechou valendo 1,9947 - pela Ptax do Banco Central. A explicação para essa desvalorização mais acentuada no período recente possui dois vetores: um externo e outro doméstico. No primeiro está a maior aversão a risco de investidores externos, motivada pelos [novos] problemas recentes com a Grécia, o aumento do spread dos títulos espanhóis e italianos, a cada vez mais clara desaceleração da China e a rejeição dos planos de austeridade fiscal exposta nas eleições da França e da Alemanha. Tudo isso combinado se traduz em maior volatilidade do capital estrangeiro e, consequentemente, busca por maior segurança. A valorização da moeda americana nesse cenário é quase que tautológica.

Já no campo doméstico já há uma certa preocupação com a deterioração da política econômica brasileira. A estabilidade macroeconômica que marcou o período pré-crise, culminando com a mudança de rating do Brasil, já dá sinais de desgastes. A frágil comunicação da autoridade monetária, a contínua interferência do Ministério da Fazenda, a constituição de medidas heterodoxas na cunha fiscal e monetária geram maior volatilidade e acabam por gerar desconfiança no investidor estrangeiro. Isso já se manifesta nos preços, não tenha o leitor dúvida disso.

A teoria econômica é muito clara a esse respeito. Os agentes econômicos reagem a mudanças na política econômica. Daí que quanto mais confusa e errática for a comunicação do governo, maior será a volatilidade nos mercados. Isso pode ser visto, por exemplo, na Bolsa, na Curva de Juros e no próprio mercado de câmbio.

Especificamente sobre o câmbio, o governo parece se apegar a um dado: a desvalorização da moeda brasileira seria compensada pelo baixo nível de atividade interno e externo. Em outros palavras, o repasse cambial (pass-through) para os preços seria compensando pela desaceleração da economia brasileira e por uma menor demanda externa - principalmente por commodities. E ai que, sem muita preocupação com a inflação, quanto mais alto o câmbio, "melhor para a competitividade brasileira", não é mesmo Ministro?

A meu ver, leitor, essa é uma resposta simples para um problema complexo. O governo pode tentar modificar preços importantes da economia, como câmbio e juros, mas tais intervenções não geram desenvolvimento sustentável - leia-se competitividade, tema recorrente nas declarações do ministro. Esta, como já estou cansado de repetir, está do outro lado do balcão: nos determinantes da oferta.

ps: Sachsida et al estimam que um choque cambial tem impacto de 0,04 p.p. na inflação do mês seguinte (ou 0,48 p.p. em termos anuais). Maiores detalhes aqui.

Compartilhe esse artigo

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Email
Print

Comente o que achou desse artigo

Outros artigos relacionados

Sumarizando divulgações trimestrais de empresas usando IA no Python

Neste exercício, iremos utilizar a inteligência artificial no Python para analisar e sumarizar divulgações trimestrais de empresas. Focaremos no uso de ferramentas como Gemini e técnicas de processamento de linguagem natural para extrair informações de documentos PDF relacionados aos relatórios financeiros das empresas.

Prevendo efeitos de mudanças de preços em produtos usando TimeGPT

O exercício explora como prever os efeitos de mudanças nos preços de produtos utilizando o TimeGPT, uma ferramenta de previsão de séries temporais no Python. Usando elasticidade-preço, é possível medir a resposta da demanda a variações de preço. O exemplo prático utiliza dados de vendas de abacates nos EUA.

como podemos ajudar?

Preencha os seus dados abaixo e fale conosco no WhatsApp

Boletim AM

Preencha o formulário abaixo para receber nossos boletins semanais diretamente em seu e-mail.