Estaria o Brasil perseguindo o caminho argentino? Essa pergunta começa a aparecer na imprensa tupiniquim. Modestamente, é claro, dadas as diferenças entre um e o outro país. Já adianto que eu não arrisco tamanha previsão, dado que a sociedade brasileira aprendeu a ter uma grande aversão à inflação. Mas nunca é demais lembrar que o caso argentino se adequa perfeitamente ao que prescreve a teoria econômica. E que uma parcela do governo [notadamente os "novos-desenvolvimentistas"] parece ignorar.
Na Argentina predomina desde a crise dos anos 2000-2001 uma certa tolerância com o aumento generalizado de preços. O IPC oficial do país girou na casa dos 11% - consultorias cravam inflação a mais de 20%. A despeito disso, têm-se um crescimento econômico médio na casa dos 7% desde 2003. O desempenho dessas duas variáveis desde 1999 pode ser visto no gráfico abaixo.
Conforme apontam os modelos de Ciclo Político, os governos identificados com essa política econômica [mais inflação em troca de mais crescimento] têm popularidade e são releitos. Esse é o caso da viúva Kirchner. Mas, como prescreve a Curva de Phillips, em sua versão friedman-phelps [a mais atual], não existiria mais um trade-off estável entre inflação e crescimento econômico. Ou seja, não estaria à disposição dos policymakers um menu de escolha entre níveis de inflação e emprego. Caso os governos insistam em promover políticas que acelerem o crescimento econômico além do nível de desemprego natural, a inflação será alta e estará em permanente ascenção. Não há troca estável entre mais inflação e mais crescimento: a troca é entre mais crescimento e uma inflação em crescente aumento. Tudo, portanto, o que está acontecendo na Argentina.
Uma hora ou outra, os ciclos de negócios políticos se farão presentes. Governos populistas se alternam com governos conservadores, gerando uma hora crescimento [com inflação crescente], uma hora recessão para conter a alta generalizada de preços. Os custos sociais e econômicos, já sabe o leitor, dessa alternância entre um e outro governo são extremamente altos. Socialmente, a economia terá de conviver ao longo de um tempo bastante longo com um desemprego elevado. Economicamente, a inflação traz prejuízos para a eficiência e competitividade do país.
Além disso, não existe um modelo de desenvolvimento argentino. Não houve uma estratégia deliberada de promoção do desenvolvimento às custas da aceleração da inflação. Muito pelo contrário. Se a inflação está em ascenção é justamente porque a oferta do país não consegue responder a contento aos estímulos fiscais e monetários. O que houve foram medidas populistas de estímulo à demanda, promovendo um crescimento cosmético, mascarado e sem sustentação no médio e longo prazos.
Nesse contexto, não vejo como factível a importação desse "modelo". A sociedade brasileira mostrou ao longo dos últimos anos ter uma aversão muito forte ao processo de aumento generalizado de preços. Prova disso foi a grande manifestação no passado recente a uma possível leniência do Banco Central com a ascenção do IPCA. O governo Dilma sabe disso. A autoridade monetária também. No fim das contas, o nosso país acabará seguindo o caminho correto. Mesmo que para isso tenha que percorrer, durante certo período, caminhos equivocados.
PS: O comentário de Friedman no seminal The role of monetary policy é interessante nesse contexto:
"(...) Implicitamente, Phillips escreveu seu artigo para um mundo em que todos esperam que os preços nominais sejam estáveis e que essa expectativa permanece estável e imutável, independente de qualquer coisa que vir a acontecer com os preços e salários efetivamente verificados. Suponha, ao contrário, que todos antecipassem que os preços iriam subir a uma taxa superior a 75%, como os brasileiros fizeram há algum tempo atrás. Dessa forma, os salários deveriam subir àquela taxa simplesmente para manter o salário real constante".