O sonho de Dilma Rousseff

dilmaNo início de 2013, estava claro para a presidência da República que a Nova Matriz Econômica não havia colhido os resultados esperados. Reduzir os juros, aumentar o gasto público, desvalorizar o câmbio e financiar via emissão de dívida o BNDES havia, apenas, alimentado a inflação e o déficit em conta corrente. O crescimento da economia reduzia-se, trimestre a trimestre, desde o final de 2010, enquanto a condução da política fiscal expansionista era mantida através de contabilidade criativa. A única chama de virtude, o desemprego baixo, era apenas um sintoma do aumento dos programas de acesso à educação, como o FIES e o Prouni, para jovens de 16 a 24 anos, não podendo ser sustentável ao longo do tempo. Diante disso, o que fazer, pensou Dilma Rousseff. Fazer o ajuste logo ou esperar as eleições de 2014?

Em meio a uma inflação crescente, o Banco Central passou a subir os juros em abril de 2013, de forma bastante tímida. Apenas atenuou parte dos incentivos expansionistas anteriores, pouco combatendo a tendência de aceleração dos preços.  No campo fiscal, contudo, nem isso veio: os gastos foram ainda mais intensificados, culminando em um déficit de 1,1% em 2014, retirada a contabilidade criativa que virou mantra na administração Arno Augustin e Guido (não tão saudoso) Mantega. Parecia claro, desse modo, que a opção da presidência da República fora se beneficiar do ciclo político eleitoral: expandir a economia em ano eleitoral, vencer o pleito e ajustar a economia na primeira parte do mandato conquistado. Tudo isso em confronto com a Lei de Responsabilidade Fiscal, como ficaria demonstrado a posteriori nos trabalhos do Tribunal de Contas da União.

A conjuntura atual, nesse contexto, faz parte de um enredo costurado a muitas mãos pelo Palácio do Planalto, ainda que não linear, para usar expressão criada pelo Banco Central de Alexandre Tombini. O sonho de Dilma Rousseff é conseguir dar conta dos três ajustes macroeconômicos necessários para a economia brasileira [fiscal, monetário e externo], com pouco aumento do desemprego e a tempo de colher dividendos eleitorais em 2018. Conseguirá?

O que não estava nos planos de Dilma era a crise política e a reação das instituições brasileiras. No meio do caminho tinha um TCU, cobrando explicações pelas tais pedaladas fiscais. No meio do caminho tinha um Eduardo Cunha, um atraso de vida na aprovação das medidas do ajuste fiscal. No meio do caminho tinha uma operação lava-jato, confrontando políticos, empreiteiros e demais envolvidos na corrupção oficial. Tudo tão down que faz o ex-presidente Lula ficar cansado das safadezas...

O sonho de Dilma parece difícil de ser realizado. Em condições normais de temperatura e pressão, a economia brasileira reagiria rápido aos ajustes na macroeconomia. Feito o ajuste fiscal, a convergência da inflação e o ajuste externo, no final de 2016 teríamos uma economia crescendo a 2% a.a., ritmo coerente com o crescimento da população e da produtividade da economia. Com todos os problemas políticos e, why not, policiais, o tempo de ajuste vai demorar um pouco mais...

A redução do primário, anunciado pelo ministro Levy, frustrou o mercado, que passou a incorporar essa nova informação no preço. Sofreu o dólar, sofreu a bolsa. Detalhe: piora no primário, baixo crescimento e juros implícitos mais altos agravam a trajetória da dívida pública, o que pode ser fator decisivo para a perda do grau de investimento. Sem esse, uma parte importante dos investidores estrangeiros diz bye, bye e isso piora ainda mais o cenário macroeconômico. Com a perda do grau de investimento, apertem o cinto e digam adeus à recuperação no curto prazo. Sem perda de grau de investimento, quem sabe temos algum alívio em 2017.

Posso contar um segredo? O recente abalo no mercado mostra que as pessoas estão colocando no preço o rebaixamento. Com a dívida bruta indo para a casa de 70% do PIB nos próximos anos e dado seu elevado custo, me parece que a probabilidade das agências rebaixarem o Brasil se tornou extremamente alta. Em outras palavras, leitor, todos nós ficamos um pouco mais pessimistas em julho graças à revisão da meta fiscal, de 1,1% para míseros 0,15%.

O entrave político, a propósito, impede que se aprovem as tais reformas estruturais que melhorariam o ambiente de negócios, trazendo mais produtividade para a economia brasileira. Tais reformas fariam com que, no médio prazo, a economia pudesse crescer acima de 4%, um número mais coerente com as nossas necessidades. Ademais, a agenda de privatizações proposta pelo Palácio do Planalto, agora, soa tarde demais, diante da possibilidade (real) de rebaixamento. Ou seja, o sonho de Dilma Rousself, leitor,  precisava de um pouco mais de teoria econômica para não se tornar pesadelo. Adiar os ajustes, em troca de uma eleição, causou consequências gravíssimas para o país e, surpresa, para o próprio projeto de poder do PT. Será que os economistas preferidos da presidente pensaram nisso? Nós, economistas sérios, pensamos...

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Nota: Alguns economistas acham que falar de reformas é como usar um mantra. Para esses economistas, basta "destravar" o crédito que a economia volta a crescer. Esses economistas, leitor, não entenderam nada do que leram... Tadinhos! 🙁

Nota 2: Leia também "O fracasso heterodoxo" e "Por que [você deveria ter votado na oposição]".

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