A moça tinha um vestido vermelho chamativo. No copo prosecco. O homem que a acompanhava vestia um blazer bem alinhado e tinha um copo de bourbon na mão esquerda. Entre eles um rapaz com óculos grandes e uma menina com tênis all star, repaginado. Conhecia a última, que me chamou para me juntar à conversa. O papo era animado, ora versando sobre os filmes do Oscar, ora sobre essa ou aquela peça, essa ou aquela exposição. 12 anos de escravidão, gravidade ou o lobo de wall street. Puts, eu deveria ter visto esses filmes para me sentir minimamente integrado a esse tipo de conversa. As peças da gávea, do leblon ou do joão caetano e as exposições do mam ou do ccbb iam sendo listadas, em uma batalha de egos sem fim. Até que o homem de blazer alinhado resolveu que era hora de acender o pavio: e as manifestações?
A menina com o tênis all star, estudante de comunicação social na puc-rio, foi logo em defesa da liberdade de expressão. Tem que ir para a rua mesmo, afinal. O homem de blazer, após um gole plácido no bourbon, fala que tudo bem, pode manifestar, mas esse negócio de black bloc é demais, não? O rapaz de óculos grandes observa com olhar otimista o que está acontecendo: é tudo muito novo, exige calma, mas estou confiante no povo brasileiro. A moça com vestido vermelho acha tudo uma palhaçada, tudo culpa do governo do pt, que quis essa tal de copa de mundo. E você, pergunta a menina com o tênis all star, para mim. E eu, leitor?
Entre libertários e esquerdistas, me vi em uma sinuca de bico. Ou bem eu dava minha opinião, ou bem fazia média em uma festinha retrô para a qual não deveria ter ido. Sinceramente não gosto desse tipo de conversa quando me pegam desprevenido. Em uma festinha com guns, led zeppelin, legião, cazuza, linkin park... deveria ser proibido falar sobre problemas. Quanto mais sobre problemas com o Brasil: afinal por que as pessoas têm essa necessidade de ficar dando opinião sobre tudo? E que diferença faz a minha própria opinião?
Tudo bem, você vai falar que eu sou contraditório: afinal eu vivo de dar opinião. Mas se dar opinião é meu ganha-pão, por que cargas d´água eu vou querer ficar dando opinião em uma festa, onde a música é boa, a bebida é honesta e a moça de vermelho soa tão meiga? Saio pela tangente, pensei.
Então, acho essa coisa toda muito difícil de ser analisada. E como não sou sociólogo, prefiro não opinar. E dou um sorriso amarelo, enquanto cerco o garçom em busca de mais uma iguaria para esfarelar na boca. Olhos, porém, de desaprovação: parece que soltei um pum, só porque não quis dar a minha própria opinião. O rapaz de óculos grandes ajeita a gola V e retruca: mas sério, qual a sua opinião? É, tipo, sério, "pára" - porque ainda não me acostumei com o novo acordo ortográfico - de palhaçada e fala logo qual a sua análise metafísica das manifestações, foi o olhar geral após a inquisição do rapaz de óculos grandes. Parece que me dei mal, pensei.
Digo que quero mais é ver o pau comer, só para a Dilma não se reeleger? Vai pegar mal com o cara do blazer. E se digo que tem que manter a ordem, punir os black blocs, mandar todo mundo que quebra agência do itaú para a cadeia. O pessoal que vota no Freixo vai querer me espancar. Como saio dessa?
A moça com vestido vermelho diz que vai encontrar uma amiga e eu fico louco para ir com ela. Mas foi só ela sair que a menina com o tênis all star me finalizou: é, fala, quero muito ouvir a opinião de um economista. Agora não tem jeito porque chamou o profissional que tem dentro de mim. É hora de colocar o crachá para fora da blusa e começar a tecer pensamentos macroeconômicos que ninguém entende, mas acha bonito, respeita, te considera um cara inteligente. E concordam, claro, como concordam que Hamlet é uma tragédia muito atual. E como aquela escultura pós-modernista em exposição no mam expressa os dramas da urbanidade.
A menina que faz comunicação social, então, resolveu me salvar: você acha que a população quer mais ou menos estado? E nessa o cara de blazer, mandou um menos estado, sem dúvida. O rapaz de óculos grandes retrucou: mais estado, isso é muito claro. E cada um ficou dando sua justificativa. Até que eu lembrei do Gregório, o do porta dos fundos. Lembro que ele queria mais cultura, mais educação, mais saúde, mais isso e mais aquilo, mesmo que significasse mais impostos. O Gregório também frequentou a puc, me perguntei, enquanto a conversa comia solta. Qual curso, deve ter sido comunicação também. E fiquei pensando no que o Gregório disse, ouvindo um pouco do que a menina que faz comunicação social disse, no que o rapaz de óculos grandes retrucou e o que o cara de blazer sacramentou. Qual a sua opinião, me olharam de novo. Mais ou menos estado?
E resolvo que é hora de dar minha opinião: nem um, nem outro. Estado mínimo não garante igualdade de oportunidades, estado máximo fere a liberdade do indivíduo. O estado, então, não tem que ser grande ou pequeno: ele tem quer ser eficiente e, claro, tem que caber dentro do bolso da sociedade. Se você quer mais cultura, saúde, educação, acho legal, mas você tem que me dizer como a gente vai pagar por isso. Se você quer menos gastos sociais, legal, mas você tem que me dizer como vai reduzir as desigualdades, sem o qual, o número de conflitos irá aumentar - e não diminuir. A minha opinião, nesse aspecto, é que as manifestações que estão por aí querem um estado que funcione, apenas isso. Mais ou menos estado é uma discussão que fica a cargo de pessoas, mas não é uma discussão muito produtiva. Estado mais eficiente, esse sim, é um tema que acho melhor de discutir.
E como faz, retrucou o cara com óculos grandes. Você vai falar em privatizar o estado, é isso? Esse papo de eficiência é coisa de neoliberal, eu sei, diz a menina com tênis all star. O cara com blazer concorda, diz que está comigo: tem que ter uma agenda neoliberal mesmo, é isso aí. Eu pedi, então, licença e fui procurar a moça com vestido vermelho. Festa retrô, com música boa, bebida honesta, comida razoável e um tomare que caia não merece papo cabeça: muito menos papo sem cabeça.