Amores Urbanos: capítulo 4

Deixei Ana um tanto quanto desapontada algumas páginas antes. Aqui volto a ter com ela contato. O faço para cessar minha dívida com o leitor e também para que o mesmo recupere o próprio fôlego. O que disse é que aprendera com ela minha primeira lição em relação às mulheres. Todas elas, sem exceção nesse caso, perdem o interesse quando são plenamente cortejadas. E eu, demonstrando a menor das atenções possíveis, me fiz o melhor alvo que Ana teria daquele dia em diante. Não passava um dia em que não viesse acompanhar  as peladas na rua. Ao ouvir da primeira batida de bola, lá estava ela a abrir o portão e sentar-se carinhosa e cuidadosamente no banquinho de cimento da sua calçada. Meus olhos a essa altura brilhavam, é claro. Tudo o que o leitor já sabe se repetia toda vez que dava de cara com aqueles olhos azuis.

O detalhe sórdido é que entre o “oi, você joga muito bem” e o “calma, você vai me comer, mas não hoje” passaram-se apenas algumas semanas. O suficiente, entretanto, para que eu me esquecesse completamente do primeiro e aguardasse com ansiedade de uma criança a espera do brinquedo novo pelo segundo. Passei os dias que seguiram aquela noite ensandecida completamente atônito. Não pensava em mais nada que não fossem os seios em formato de pêra, a barriguinha chapada, os lábios carnudos e as nádegas pequenas, porém perfeitas, daquela diaba. Toda aquela cena na pia, minhas mãos raivosamente retirando a calcinha rosa, os pêlos pubianos cuidadosamente raspados, iam e voltavam a todo instante.

Fernanda, porém, parecia acostumada a tudo aquilo. Quando me via no colégio cumprimentava com os costumeiros “oi, jogador!” e o sorriso moleca característico. Nada aparentava que daqui a poucos dias, a teria de novo em meus braços. Assim era na frente de todos. Por debaixo dos panos, me mandava bilhetes precavidos sempre discretamente deixados sobre minha mesa. E sempre entre as páginas do livro de geografia. Nunca outro. Era a senha que queria falar comigo, o leitor já adivinha onde. E lá ia eu ter com ela beijos roubados e amostras da excitação daquela noite acalorada na pia da cozinha. Tudo muito rápido que mal dava para apalpar novamente seus seios ou mesmo sua bundinha.

Foi assim por quase toda a primavera. Fernanda me enfeitiçava, me iludibriava, tinha total controle sobre a situação. Era minha senhora, portanto. Ao longo das semanas, porém, um estranho comportamento se abateu sobre a morena. Os bilhetes fortuitos foram substituídos por comunicados pessoais mais diretos, do tipo “quero falar com você”, quando eu estava em presença de outros moleques da escola. E daí para andar de mãos dadas e dar abraços mais íntimos no meio do pátio passaram-se dias. Tudo muito rápido que nem me dei conta de que minha virgindade de origem ainda era toda minha e Fernanda e eu já embrenhávamos por outro tipo de compromisso, muito além do sexual.

Só fui dar com isso quando o Banana, o velho e grande Banana, me perguntou se eu já tinha comida a minha namorada. Disse, assim, de bate pronto que não, não tinha ainda. Dois ou três segundos depois, daqueles atrasos que podem custar a vida de tantos, é que atentei para o “minha namorada”. Eu, o leitor sabe disso, não tinha a menor intenção de namorar Fernanda. Éramos, que ficasse bem claro, apenas parceiros na fina arte de descobrir o corpo, um do outro. Nada mais, nada menos que isso.

O problema é que como no estalar da revelação, toda a escola já pensava o contrário. As meninas que gritavam na arquibancada da quadra tinham outra idéia sobre Fernanda e eu. Éramos oficialmente namorados. Todos, absolutamente todos, sabiam disso, menos eu, é claro. Quando finalmente percebi o que se passara fiquei embasbacado em como a diaba era esperta. Tinha me enrolado com o papo da pia e de quebra ainda havia se comprometido comigo. “Filha da puta”, pensei. E ri em seguida, afinal não era lá grande sacrifício que estava fazendo. Fernanda era bonita, tinha um corpinho de dar inveja à maior parte das meninas da escola. Era extrovertida, com uma inteligência Macunaíma e um jeito que despertava meus instintos mais carnais. Não havia, portanto, nenhum empecilho que pudesse me afastar dela. A não ser, claro, a vizinha do lado direito.

E foi assim que terminei a primavera daquela ano. Sendo o melhor jogador do colégio e namorando uma bela ninfeta. Ainda que guardasse um paixonite secreta por Ana, que se mostrara com o passar do tempo ainda mais presente, vivia o melhor momento que um garoto dessa idade pode viver. Era popular na escola e fazia um sucesso desproporcional com o público feminino. Não que eu fosse feio à época. Era o que minha tia Angélica chamava de “bonitinho”. Tinha um corpo atlético, altura um pouco maior do que a média da sala, cabelos pretos escorridos e nenhuma espinha no rosto. Olhos castanhos claros e brilhosamente vívidos. Apesar disso, hoje, somente hoje, sei que não era minha aparência que motivava os gritos. O encanto vinha total ou em grande parte pelo que acontecia no campo de jogo.

Não sei se faria alguma diferença significativa se eu soubesse disso à época. Possuído por uma ingenuidade desconcertante, associei, a princípio, as investidas de Fernanda e os olhares constantes das outras meninas a um dom natural com o sexo oposto. Dei por mim que eu poderia ser alguém que pudesse ter qualquer mulher a seus pés. Tentando entender melhor essa nova realidade, entrava em quadro ou campo cada vez mais disposto a confirmar minha teoria. A cada gol que fazia, jogava beijinhos e fazia corações para as arquibancadas. Um drible mais ousado, um riso para uma menina. Um passe bem dado, um olhar distribuído. A resposta que imaginava veio rápido. Sentia os corações se abaterem a cada gesto que fazia. As meninas comentavam entre si toda vez que passava pelos corredores. Em sala, um ou outro olhar disperso me era direcionado. Tudo, portanto, confirmava minha suspeita: estava mesmo abafando.

É claro que teve uma pessoa que não gostou nada dos meus novos gracejos para com a torcida. E talvez por isso tenha se dado a mudança de comportamento que notara algumas páginas antes. Fernanda ficava enfurecida a cada beijinho, coração ou aceno que fazia. Saltava aos olhos sua raiva. E as meninas eram todas danadinhas: não respeitavam nem mesmo quando ela estava em minha companhia. Tínhamos o costume de passar o intervalo entre as aulas sentados no corredor dos troféus da escola. Ficávamos juntinhos, encostados na parede, conversando sobre qualquer coisa apenas para passar o tempo. Ali, reclusos, éramos sempre interrompidos por um ou outro olhar mais atento. Mesmo que comedidos, eles eram sempre direcionados. A diaba ficava possessa da vida. Olhava para a algoz, olhava para mim e nada podia concluir. Não havia nada, era verdade. Apenas flertes descompromissados entre os gritos femininos e eu.

O que deveria preocupar Fernanda era justamente algo que ela nem imaginaria existir. A vizinha do lado direito, a medida que minha indiferença ia ganhando vulto, resolveu passar do banquinho de cimento do portão de casa para algo mais ousado. Já vinha a todo fim de partida me oferecer água, refrigerante, suco, salgadinhos e qualquer outro pretexto para me abordar. Achava à época que ela estava apenas sendo bondosa com o vizinho de muro. Isso, claro, a despeito de todos os alertas que recebia dos outros meninos da pelada. “Ela ta te dando o maior mole garoto”, eram o que diziam as boas e más línguas. Eu, porém, dizia que não, era apenas gentileza sem maiores pretensões.

A correnteza virou quando em uma noite quente de dezembro daquele mesmo ano, ela me apareceu no portão. Eu jogava a bola continuamente no muro, como de costume. Ao ser interrompido pelas batidas sincronizadas, perguntei meio que irritado quem era. Ela disse eu, em uma voz que não reconheci a princípio. Ao abrir, dou de cara com o belo par de olhos azuis embalados em um vestido branco que dava nos joelhos. Nas mãos tinha um cesto todo feito de palha cheio que estava de mangas espadas. “Acabei de colher algumas, você aceita?”, me perguntou. Disse que sim e pedi que ela entrasse. Agradeci a gentileza e propus que comecemos juntos aquelas belas mangas maduras. Como se já esperasse o convite, aceitou prontamente. Entramos pelos fundos da minha casa em direção à área colada com a cozinha. Nos sentamos no chão a alguns palmos de distância um do outro. Nos separava apenas o cesto de mangas. Nossos olhos, porém, estavam a mesma altura e se entreolhavam há quase todo instante.

O céu daquela noite estava todo repleto de estrelas e a lua iluminava meus pensamentos. Perto dela eu voltava a ser aquele peralta tímido de alguns meses antes. Não balbuciava uma palavra que fosse para puxar assunto. O silêncio entre nós só era interrompido pelo cantar de mariposas, que aquela altura anunciavam mais um dia típico de verão no Rio de Janeiro. Na escolha da manga mais doce, nossas mãos se tocavam vez ou outra. No início o toque era encarado com certa vergonha e receio. Com o passar do tempo, porém, um riso comedido de ambas as partes deu o tom. Os nossos olhos se entreolhavam cada vez mais, quase que não disfarçando o interesse mútuo. Cada músculo do meu corpo reagia impiedosamente aqueles segundos em que ficávamos conectados.

O pudor, porém, impedia que o tempo do contato fosse mais longo. Olhava para o céu, ela olhava para a parede onde tinha o tanque de lavar roupa. Nesse vai e vem, com as mangas diminuindo em número, me perdi quando Ana resolveu chupar um caroço de uma delas. Meus olhos já não mais queriam parar de olhar aquela cena. Aqueles lindos lábios vermelhos vívidos plenamente lambuzados de manga. E ali, de posse dos tais instintos selvagens, me pus a colocar a mão em seu rosto, retirando alguns fios de cabelo que se misturavam ao líquido da fruta. Ela baixou os olhos, como se imaginasse o que eu iria fazer em seguida. Não dei trela para a vergonha e meti os dedos em seu queixo, aguachei sobre o cesto, tirei o caroço do caminho e a beijei. Um beijo não tão longo, com nossas línguas em pleno contato, apenas para sentir qual seria a sua reação. Passados alguns segundos, retirei meus lábios dos dela e fui novamente ao encontro dos seus olhos. Estavam selados, como esperava que estivessem. Sorri, então. A tinha para mim, era certo que tinha.

Quando ela começou a abri-los, dei-lhe outro beijo. Esse mais longo, sem pausa, com o intuito apenas de tirar-lhe o fôlego. Foi ai que tirei a mão esquerda que até então me apoiava no chão e coloquei na sua nuca. Sem o apoio, caí quase que imediatamente por cima dela, enquanto o caroço de manga fazia estrago no seu lindo vestidinho branco. Um desajuste providencial, leitor. Estava eu ali, com o rosto colado na menina cujos olhos eram os mais bonitos que já conheci. Sorri. Ela retribuiu o sorriso, balbuciando um “eu estava esperando por isso já há algum tempo” e me beijando em seguida. Muitos outros beijos se seguiram naquela noite. Depois de satisfeita a vontade, ficamos abraçados, em um silêncio agora compartilhado pelas mariposas, olhando para a lua e para todas as estrelas.

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