No dia 07 de julho de 2016, entre as diversas medidas propostas pelo governo interino de Michel Temer para obtenção da meta fiscal de déficit de R$ 143 bi em 2017, está o esforço no aumento de receitas com a arrecadação de tributos diversos até a venda de ativos, outorgas, concessões etc.
O presente artigo e o próximo tratarão justamente de concessões para exploração da infraestrutura rodoviária.
Normalmente as concessões de infraestrutura são muito discutidas nas suas questões microeconômicas e jurídicas. Aqui, se tentará dar uma visão um pouco mais ampla das concessões, situando-as no contexto macroeconômico, uma vez que são consideradas importantes para o ajuste das contas públicas.
A literatura econômica aponta o investimento em infraestrutura como um dos principais fatores responsáveis por permitir um crescimento sustentado da economia. O trabalho seminal de Aschauer (1989) procurou quantificar a contribuição da infraestrutura para a receita e o crescimento econômico de um país (PIB- Produto Interno Bruto).
Calderón e Servén (2004) forneceram uma extensa avaliação empírica do impacto do investimento em infraestrutura no crescimento econômico de um país. Os pesquisadores identificaram que entre os países da América Latina, se os níveis de infraestrutura do Peru fossem elevados aos níveis do Chile ou da Costa Rica no período entre 1996-2000, a taxa de crescimento econômico do Peru passaria de 1,7 para 3,1 pontos percentuais. Outro achado interessante é que se o sistema de rodovias e ferrovias expandisse em 1,88 unidades, o que implicaria no aumento dos níveis existentes na Argentina (com 0,6 km/km2) para níveis no patamar da Coreia do Sul e de Taiwan (com 3 km/km2), equivaleria a um incremento de mais de 1,4% na taxa de crescimento econômico.
Conforme apontam Frishtak e Davis (2014), há uma espécie de consenso na literatura internacional de que é necessário gastar pelo menos 3% do PIB para garantir a manutenção do estoque de infraestrutura. Investimentos abaixo desse montante levariam à depreciação do estoque de capital no longo prazo, sem a correspondente reposição.
Mendes (2014), por sua vez, indica que a fragilidade da infraestrutura parece ser uma restrição importante ao crescimento do Brasil e, para superar tal problema, o país deveria não apenas estimular a participação privada no setor, mas também aumentar os recursos públicos para fazer investimentos complementares aos privados e reforçar o planejamento e a coordenação, bem como fortalecer as agências reguladoras.
Para estimular a participação privada em empreendimentos de infraestrutura, especialmente em cenários de restrição fiscal, os governos normalmente optaram por realizar Parcerias Público Privadas (PPP, em sentido amplo, compreendendo as concessões comuns, as administrativas e as patrocinadas), quando o Estado pretende aumentar a eficiência, aproveitando-se do que o setor privado pode oferecer de melhor em termos de expertise (NÓBREGA e TRENNEPOHL, 2012).
No setor de transportes dos países em desenvolvimento privatizações e, mais importante, concessões, induziram empresas privadas a participar de 76 projetos de ferrovias no valor total de US$ 29 bilhões, entre 1990 e 2001 (OCDE, 2005). Esses projetos alcançaram significativo ganho de eficiência em diversas áreas. Em todos, mas em um caso específico (na África) o resultado da ferrovia por empregado ao menos dobrou, e em vários outros cresceu de 200 a 300%. Os preços dos serviços para os usuários também foram significativamente menores: na América Latina os preços caíram entre 8 e 54%.
No setor de infraestrutura rodoviária, em nível federal, as primeiras seis concessões de rodovias federais que abrangeram 1.482,4 km foram realizadas entre 1994 e 1998, com prazos variando entre 20 e 27 anos, ou seja, durante o período de implantação do “Plano Real” e da estabilização econômica do Brasil.
Esta 1a Etapa de Concessões Rodoviárias ocorreu, portanto, sob um ambiente macroeconômico sujeito a inúmeras incertezas e, ao mesmo tempo, ainda não havia amadurecimento tanto legal quanto institucional para levar a cabo o programa de concessões rodoviárias federais, ao ponto de somente em 2001 ter sido criada a agência reguladora responsável por tais contratos – a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Assim, os paradigmas contratuais utilizados para a construção de tais contratos da 1a Etapa e sua posterior regulação e fiscalização de fato são omissos em relação a diversos pontos considerados caros para a boa regulação atualmente.
Em 2007, foi realizada uma segunda etapa de licitação de concessões em novo leilão de rodovias federais, abrangendo mais 2.600,8 km, composta por sete lotes e prazo de 25 anos. Um ano depois, em 2008, foi lançada a segunda fase da segunda etapa de licitação que concedeu um lote de 680,6 km de rodovias, também pelo período de 25 anos. Tais contratos, conhecidos como 2a Etapa de Concessões, por sua vez, incorporaram lições aprendidas a partir dos contratos, da regulação e da fiscalização da 1a Etapa, assim como incorporou as inovações possíveis à época.
Convém ressaltar que a 2a Etapa, ao contrário da 1a Etapa, ocorreu em momento econômico bastante diverso, pois ainda não havia ocorrido o abandono dos pilares da estabilização macroeconômica brasileira, o que, juntamente com fatores externos, fizeram com que o PIB atingisse a taxa de crescimento de 6% a.a.
Considerando que o contexto no qual ocorreram os leilões e a assinatura dos contratos de concessão são distintos, o que afeta diretamente a sua regulação e a fiscalização, é natural que existam questionamentos sobre a eficiência de tais contratos, especialmente no atual cenário de profunda recessão, esgotamento da capacidade fiscal do Estado e perda de bem-estar na sociedade.
Foram exatamente nesse sentido os questionamentos que o TCU (Tribunal de Contas da União) lançou por meio de artigo do dia 06 de julho de 2016, publicado no jornal “Estadão”:
“O principal argumento técnico apontado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para barrar a renovação antecipada dos atuais contratos de rodovias está diretamente relacionado ao grande número de obrigações que deixam de ser executadas pelas atuais concessionárias. São compromissos assumidos em contrato e que, anualmente, devem ser entregues pelas empresas. A maior parte dessas exigências, porém, fica no papel, segundo relatório de auditoria do TCU.” (http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,tcu-ve-descumprimento-de-contratos,10000061221)
Para ajudar a entender um pouco melhor a percepção do tribunal, remete-se a trecho de reportagem que saiu também no dia 06 de julho de 2016, tratando sobre as “renovações” de contratos de concessões de rodovias:
“O Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas da União querem barrar a tentativa do governo de renovar, sem licitação, as atuais concessões de rodovias federais.” (http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,tcu-quer-barrar-plano-do-governo-de-renovar-concessoes-de-rodovias,10000061218)
Então, pelo que o jornal publicou, o TCU entende que não poderia haver “renovação” dos contratos de concessões de rodovias porque a obrigação de tais contratos vem sendo sistematicamente descumpridas pelas concessionárias de rodovias. Ainda, para entender melhor o raciocínio da Corte de Contas, pode-se também verificar o que um representante do TCU disse em Audiência Pública na Câmara dos Deputados sobre as concessões de rodovias federais:
“Nós temos um histórico que mostra diversas falhas nas concessões rodoviárias. E quais são as consequências? A perda de eficiência e a perda de segurança rodoviária. E muitos acidentes ocorrem por conta da má conservação das pistas ou irregularidade de geometria das pistas e falta de sinalização.” (http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRANSPORTE-E-TRANSITO/507948-COMISSAO-DEBATE-CONTRATOS-DE-CONCESSAO-DA-BR-101-NO-ESPIRITO-SANTO-COM-TCU.html)
Denota-se, portanto, que o motivo pelo qual o TCU vem propagandeando restrições em relação aos contratos de concessões de rodovias, é a hipótese de que tais contratos são ineficientes e não propiciam a devida segurança em termos viários aos usuários das rodovias, devido ao grande número de obrigações contratuais que vem sendo descumpridas pelas concessionárias de rodovias.
Bom, a primeira pergunta que o leitor do blog “Análise Macro” deve estar se fazendo agora é: mas o que essa história toda tem a ver com macroeconometria e R?
Então, caro leitor, a ideia é utilizar este espaço para demonstrar que é possível utilizar a economia e as ferramentas econométricas para enfrentar determinados debates do dia-a-dia. E por quê? Porque, como o Vítor Wilher costuma mostrar no blog, é muito importante que discussões sejam apoiadas em análise de dados.
No contexto descrito, em que de um lado está o TCU, o qual figura no imaginário popular como verdadeiro “paladino” dos cofres públicos, e, do outro lado, está a Administração Pública que, de um modo geral é vista como ineficiente e permeada de corrupção, realmente é pouco provável que se reflita criticamente sobre as ideias defendidas pelo TCU.
Contudo, conforme escrito no título, aqui se pretende discutir as ideias defendidas pela “vaca sagrada” chamada TCU. Obviamente, não será possível realizar uma análise extensa do assunto. Para eventuais dúvidas e demais esclarecimentos podem utilizados tanto o espaço para comentários quanto o e-mail: carlosneves@analisemacro.com.br.
A hipótese do Tribunal de Contas é a seguinte: as rodovias concedidas são ineficientes e inseguras porque as inexecuções nos contratos de concessão ocorrem em grande quantidade. E de onde veio tal percepção do TCU? Quais dados foram utilizados para que pudesse formular tal hipótese?
Resumidamente, o Tribunal de Contas da União, como auxiliar do Congresso Nacional no controle externo da Administração Pública, se utiliza de auditorias (dentre outros instrumentos) para levar adiante a sua missão. Em uma dessas auditorias na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável no governo federal pela gestão dos contratos de concessão, a equipe de auditores se deparou com o seguinte quadro informado pela ANTT, sobre os descumprimentos dos contratos de concessão de rodovias:
Tabela 1 – Índices de inexecução dos Contratos da 1a Etapa de Concessões (fonte: TC 009.001/2015-8).
Tabela 2 – Índices de inexecução dos Contratos da 2a Etapa de Concessões(fonte: TC 009.001/2015-8).
Ao se avaliar tais tabelas, de fato, índices de inexecução contratual de 100% ou próximos a isso ocorrerem em vários contratos, e em períodos distintos, lançam justas dúvidas sobre a eficiência de tais arranjos contratuais.
Contudo, o que tais índices avaliados de modo estanque podem revelar sobre a eficiência dos contratos da 1ª e 2ª Etapa de Concessões, uma vez que só se pode medir e avaliar o que é previamente definido? O TCU definiu a priori o que seria eficiência? E a eficiência que se quer medir, está relacionada ao número de acidentes, à existência ou não de sinalização nas rodovias, etc.?
O TCU, portanto, pretendeu estabelecer uma relação entre eficiência, nível de acidentes e inexecuções contratuais sem, aparentemente, estabelecer o que seria eficiência e estudar a existência de tal relação entre as variáveis.
Assim, uma vez estabelecido o problema, na parte II do artigo, será demonstrado como utilizar o R para estudar a eficiência dos contratos de concessão e iniciar a discussão acerca das questões postas pelo TCU.
Referências bibliográficas:
ARSHAUER, D. Is public expenditure productive? Journal of Monetary Economics, v. 23, p. 177-200, 1989.
CALDERÓN, C.; SERVÉN, L. The Effects of infrastructure development on growth na income distribution. Policy Research Working Paper Series 3400, The World Bank, 2004.
MENDES, M. Por que o Brasil cresce pouco? Editora Elsevier, 2014.
NÓBREGA, M.; TRENNEPOHL, T. Infrastructure in Emerging Markets: Theory and Practice, LAP LAMBERT Academic Publishing, 2012.
OECD/NEPAD INVESTMENT INITIATIVE. Investment for African Development: Making it Happen. Imperial Resort Beach Hotel Kama Hal, Entebbe, Uganda, 2005.