No fim dos anos 60 uma sucessão de quebra de safras em diversas commodities fez com que os preços até então estáveis começassem a experimentar uma trajetória de alta. Esse movimento foi agravado pelo choques de petróleo da década de 70 e pelo fim do sistema de Bretton Woods. A política econômica da Síntese Neoclássica mostrou-se inócua para lidar com tais movimentos, já que os mesmos partiam do lado da oferta, afetando diretamente os custos de produção. Assim, conviveu-se a um só tempo com duas patologias tidas com extirpadas: estagnação e inflação. Fenômeno este que foi nominado como estagflação.
A resposta teórica daria início a um intenso debate sobre a melhor forma de conduzir a política economica: sobre regras ou se de forma discricionária[1]. Friedman (1968) discute basicamente três conjuntos de temas: o que a política monetária pode fazer, o que ela não pode fazer e como ela deveria ser conduzida. Para ele, a política monetária não possui controle no longo prazo sobre variáveis reais, mas apenas sobre variáveis nominais, como o nível geral de preços. Isto significa que tentar utilizar a política monetária para aumentar o nível de atividade causará apenas mais inflação no longo prazo.
Sobre o que a política monetária pode fazer, Friedman argumenta que ela poderia evitar ser uma fonte de perturbações. Para ele, não teríamos à época informação perfeita sobre os canais de transmissão da política monetária, incluindo as defasagens envolvidas no processo. Em outros termos, o conhecimento da estrutura da economia seria muito precário, de modo que, por exemplo, uma política fiscal expansionista poderia estar acontecendo no exato momento em que a economia já estaria em pronta recuperação, amplificando a expansão e tendo repercussões negativas sobre o controle de preços. Desse modo, a política monetária deveria ser conduzida via regras, de modo a dar previsibilidade às suas ações.
Além de Friedman, Lucas (1976) estabelece uma crítica técnica ao ativismo discricionário da Síntese. Para ele, os agentes não formam expectativas de forma estática ou de forma adaptativa, mas sim de forma racional. Em assim procedendo, reagem a mudanças na política econômica, refazendo suas escolhas e tornando a estrutura econômica completamente distinta daquela que foi observada pelo policymaker no início do processo de calibragem do instrumento. Desse modo, uma política monetária expansionista, por exemplo, pode ser completamente antecipada e redundar apenas em aumento de preços.
Além disso, Lucas (1972; 1973) trata da instabilidade macroeconômica causada por uma política monetária excessivamente discricionária. No modelo com informação imperfeita proposto por Lucas, os agentes conheceriam o preço de seus bens, mas não saberiam qual o nível geral de preços – que apenas seria conhecido com alguma defasagem. Nesse contexto, do ponto de vista das firmas, uma variação de preços pode estar refletindo dois eventos distintos: a) um distúrbio real, ou seja, uma variação de fato da demanda por seus produtos ; b) um distúrbio monetário, isto é, os preços estão aumentando porque a oferta de moeda aumentou.
As firmas enfrentariam assim um problema de extração de sinal, dado que não distinguiriam perfeitamente as variações no preço relativo dos seus produtos das variações no nível geral de preços. Diante de um aumento na oferta de moeda, as firmas confundiriam um distúrbio monetário com um distúrbio real, aumentando sua produção. Os trabalhadores também considerariam que o salário real aumentou e ofertariam mais trabalho. Em outros termos, dado que existe informação imperfeita no curto prazo, a ocorrência de inflação-surpresa faz com que o produto efetivo seja maior do que o natural (assim como o desemprego efetivo seja menor do que o natural). Essa situação é, no entanto, insustentável, já que os agentes não cometem erros sistemáticos. No longo prazo haveria mais inflação.
Isto significa que em uma economia onde os preços variem constantemente é mais difícil para as firmas realizarem a extração de sinal. Desse modo, Lucas advoga assim como Friedman pela não geração de distúrbios por parte da política econômica. Ela deveria ser conduzida da forma mais pragmática possível, qual seja, através de regras claras. Se os governos mantém uma estabilidade macroeconômica, as firmas conseguirão extrair o sinal da forma mais aproximada possível, aumentando o investimento, gerando assim maior crescimento econômico e, consequentemente, maior bem-estar. Do contrário, uma política monetária discricionária deixa os agentes confusos quanto à extração de sinal, fazendo com que os mesmos associem todo e qualquer aumento de preço a intervenções de política monetária – os mesmos passam a formar preços mais elevados, dada a interferência contínua do governo.
[1] No presente post seguimos a definição dada por McCallum (1987). Para ele uma política econômica é guiada de forma discricionária se o instrumento é definido ex-post a partir do estado corrente da economia, i.e., se ele é calibrado a cada período do tempo. Já em uma política guiada por regras, o instrumento de política é definido ex-ante a partir de uma norma anunciada publicamente.
Referências:
Friedman, M. (1968). The role of monetary policy. The American Economic Review, vol. LVIII (1), pp. 1-17.
Lucas, R. E. (1972). Expectations and the neutrality of Money. Journal of Economic Theory, pp. 103-124, abril de 1972.
_________ (1973). Some international evidence on output-inflation trade-off. The American Economic Review, vol. 63 (3), pp. 326-334.
__________ (1976). Policy Evaluation: A Critique. Carnegie-Rochester Conference Series on Public Policy, vol. 1: 19-46.
McCallum, Bennett (1987). « The Case for Rules in the Conduct of Monetary Policy: A Concrete Example ». Federal Reserve Bank of Richmond Economic Review (September-October, 1987), pp. 10—lB.