O hiato do produto é uma das variáveis mais relevantes para a análise macroeconômica. Ele indica se a economia está operando acima ou abaixo de seu potencial — uma informação essencial para políticas monetárias, fiscais e de investimento. Em linhas gerais, o hiato é a diferença percentual entre o PIB efetivo (observado) e o PIB potencial (aquele que seria produzido sem gerar pressões inflacionárias). O desafio é que o PIB potencial não é observável, e precisa ser estimado.
Neste artigo, exploramos como calcular o hiato do produto no Brasil a partir dos dados do PIB trimestral do IBGE e discutimos as vantagens e limitações dos principais métodos usados por analistas e pelo Banco Central do Brasil (BCB).
Conceito e motivação
O PIB potencial reflete a capacidade produtiva de longo prazo da economia, determinada por fatores estruturais como capital físico, força de trabalho e produtividade total dos fatores. Já o hiato do produto expressa o componente cíclico: choques de demanda, políticas econômicas, condições externas e incertezas que afastam o PIB observado de sua tendência de longo prazo.
Quando o hiato é positivo, a economia opera acima do potencial, sugerindo pressões inflacionárias. Quando é negativo, há ociosidade e espaço para crescimento sem gerar inflação.
Métodos de estimação
Há três abordagens principais para estimar o hiato do produto: (1) extração de tendência via regressão, (2) filtros estatísticos e (3) modelos estruturais de função de produção. Cada uma reflete diferentes hipóteses sobre o comportamento da economia.
a) Tendência Linear e Quadrática (MQO)
Os métodos mais simples estimam o PIB potencial a partir de regressões determinísticas no tempo. A tendência linear supõe crescimento constante; a quadrática permite aceleração ou desaceleração. São úteis para estudos exploratórios, mas ignoram mudanças estruturais e choques econômicos, tendendo a suavizar demais o ciclo.
b) Filtro Hodrick-Prescott (HP)
Popularizado na literatura macroeconômica, o filtro HP decompõe o PIB em tendência e ciclo por meio de uma penalização de suavização. É amplamente usado, mas criticado por distorções de “final de amostra” — novas observações podem alterar toda a série estimada — e por gerar artefatos espúrios. Hamilton (2018) chegou a afirmar que o HP “nunca deveria ser usado” sem cautela.
c) Filtro de Hamilton
Proposto como alternativa ao HP, o filtro de Hamilton estima o componente cíclico via regressão do PIB sobre seus valores defasados. Ele é unilateral (não usa informações futuras), evitando parte do problema de revisão. Contudo, depende da escolha do número de defasagens e pode gerar estimativas mais voláteis em economias emergentes.
d) Função de Produção
Modelos estruturais estimam o produto potencial a partir da combinação entre capital, trabalho e produtividade, assumindo uma função de produção do tipo Cobb-Douglas. Essa abordagem é utilizada tanto pelo Banco Central quanto pela Instituição Fiscal Independente (IFI), permitindo uma interpretação mais teórica, mas exigindo dados detalhados e sensíveis à escolha dos parâmetros.
O que faz o Banco Central
De acordo com o Relatório de Inflação de junho de 2024 do BCB, a autoridade monetária utiliza conjuntos de metodologias — univariadas e multivariadas — para lidar com a incerteza da variável. Entre as univariadas estão as tendências quadrática, HP, ℓ₁, filtro passa-banda e Beveridge-Nelson; entre as multivariadas, as funções de produção (convencional e de Areosa), modelos de fatores dinâmicos (Jarociński & Lenza) e componentes principais.
Essa diversidade é deliberada: diferentes técnicas podem indicar diferentes estados cíclicos em um mesmo período, e o Copom avalia a consistência entre elas antes de tomar decisões. Mesmo assim, as medidas apresentam correlação entre si, o que reforça seu valor informativo agregado.
Comparando estimativas no Brasil
No exercício empírico apresentado aqui (baseado em dados do IBGE e séries da IFI e do BCB), os resultados indicam que:
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As medidas baseadas em regressão (tendência linear e quadrática) são as mais voláteis.
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O filtro HP e o de Hamilton captam flutuações mais cíclicas, mas com elevada volatilidade.
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As estimativas oficiais da IFI e do BCB mostram ciclos menos extremos e médias mais negativas, refletindo hipóteses estruturais mais restritivas.
O gráfico sintetiza a comparação entre as metodologias, mostrando períodos de forte ociosidade (como 2015–2017 e 2020) e superaquecimento (como 2010 e 2025).
Limitações e incertezas
Nenhuma metodologia é isenta de restrições. As decomposições estatísticas podem não captar corretamente o hiato econômico se os ciclos forem correlacionados com as tendências — algo comum em economias sujeitas a choques persistentes. Já os modelos estruturais dependem de hipóteses sobre a produtividade, a elasticidade do capital e a taxa natural de desemprego, parâmetros de difícil mensuração em tempo real.
Além disso, métodos bilaterais (como HP) sofrem com o problema de final de amostra, revisando significativamente os resultados conforme novos dados são divulgados. O próprio BCB mostra que, no primeiro trimestre de 2024, diferentes metodologias produziram hiatos entre –0,3% e +2,4%, ilustrando o alto grau de incerteza.
Conclusão
O hiato do produto é uma variável essencial, mas imprecisa. Mais do que buscar um valor único, o analista deve compreender as premissas de cada método e interpretar os resultados em conjunto. A abordagem mais prudente combina técnicas — estatísticas e estruturais — e acompanha a coerência entre elas.
Para a análise macroeconômica e para a ciência de dados aplicadas à economia, o desafio não é apenas calcular o hiato, mas entender a incerteza que o cerca. Afinal, é justamente nesse intervalo de dúvida que as políticas econômicas precisam atuar.
Referências:
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Banco Central do Brasil (2024). Relatório de Inflação – Junho 2024, Boxe “Medidas de hiato do produto no Brasil”.
