A economia brasileira tem sido marcada ao longo dos últimos anos por uma queda persistente da taxa de desemprego. Em termos dessazonalizados, saímos de uma taxa em torno de 8,5% em janeiro de 2009 para uma ao redor de 5% em fevereiro de 2014. Uma queda que resultou em ganho real de salários em torno de 15% no período. Não por outro motivo, a inflação acumulada ficou em 33%, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Em particular, a inflação de serviços foi bem mais além: ficou em quase 52%. A queda do desemprego se deu a despeito de um crescimento não muito vigoroso: na média o PIB cresceu apenas 2,6% entre o primeiro trimestre de 2009 e o último de 2013. O pleno emprego do fator trabalho exigirá esforço adicional do próximo governo.
Tenho insistido neste e em outros espaços que o baixo desemprego brasileiro se deve muito mais a redução da procura por trabalho do que propriamente pela maior contratação por parte das empresas. Ou em outros termos, pelo menor crescimento da População Economicamente Ativa (PEA) em relação à População Ocupada (PO). Os dados da PNAD, da PNAD Contínua e da PME sugerem adequação dessa hipótese. Em particular, pela abertura das duas primeiras, é possível verificar que a redução da procura por emprego é significativa entre jovens de 14 a 24 anos, justamente o público-alvo de programas como Pronatec, Fies e Prouni.
O efeito macroeconômico dessas políticas foi manter o crescimento dos salários acima do da produtividade ao longo da maior parte do período recente. O gráfico acima ilustra o argumento. A linha vermelha pontilhada mostra a tendência negativa da taxa de desemprego dessazonalizada. Tendo a produtividade do trabalho na indústria como referência, quatro períodos são sublinhados: 1) entre setembro de 2008 e setembro de 2009 a produtividade cai por conta dos efeitos da crise financeira; 2) volta a mostrar tendência de alta entre outubro de 2009 e setembro de 2010, graças às políticas anticíclicas do governo federal; 3) cai com efeito da derrocada do PIB a partir do quarto trimestre de 2010 até o último de 2012; 4) volta a se elevar, com a lenta recuperação da economia brasileira a partir do primeiro trimestre de 2013.
A despeito dos picos e vales pronunciados da produtividade, os salários mantém trajetória menos volátil. Enquanto o desvio-padrão daquela é de 3,5%, estes ficam em torno de 1%. E à exceção do período entre fevereiro de 2010 e fevereiro de 2011, os salários ganham da produtividade em todo o pós-crise. A manutenção desse quadro implica em duas consequências. A primeira é justamente a inflação de serviços sublinhada, dado que o setor é intensivo em mão de obra. A segunda, impulsionada pela primeira, é a elevação do custo unitário do trabalho, o que torna a indústria pouco competitiva frente a avalanche de importações. Não à toa, o período é marcado por baixo crescimento da economia com inflação.
O pleno emprego brasileiro, nesse contexto, é artificial porque não condiz com uma situação alocativa de equilíbrio. A economia trabalha em um equilíbrio subótimo, com descompasso entre os setores de serviços e indústria. A causa primeira desse desconcerto é a baixa procura por emprego, que gera uma armadilha de crescimento. Isto porque, como a economia tem dificuldades de elevar a taxa de investimento, bem como aumentar a produtividade, convive com o descompasso entre a oferta e a demanda por bens e serviços.
Essa situação, não por acaso, é insustentável. Como se nota pelo círculo pontilhado do gráfico, a produtividade está aos poucos encontrando os salários, a despeito da contínua queda da taxa de desemprego - provocada, ressalta-se, por menor procura por emprego. Os empresários parecem fazer uso agora do aumento de importações de máquinas e equipamentos do período anterior, o que ajuda a explicar uma substituição forçada entre capital e trabalho. A moderação dos salários, entretanto, provoca menor crescimento do consumo, gera menos demanda pelos produtos manufaturados e causa aumento de estoques. O ciclo de estoques, desse modo, é o que dará o tom da produção industrial nos próximos meses.
Para além disso, a economia brasileira só conseguirá sair dessa "armadilha do pleno emprego" se fizer reformas estruturais e voltar a conduzir a política macroeconômica com parcimônia. Isso exige um delicado consenso político entre os partidos e a volta do uso de regras claras para a política fiscal, monetária e parafiscal. Sem poder crescer com maior uso da força de trabalho, não há outra escolha macroeconômica a fazer. E essa é a notícia triste para o próximo governo.