"A culpa é das estrelas"

“A culpa é das estrelas” é a tradução para o português do excelente livro de John Green, que acaba de ser lançado no cinema. Foi o título que me veio à mente quando ouvi a explicação dada pela equipe econômica para o resultado do PIB no segundo trimestre. Afinal, a despeito de o nosso crescimento ter se reduzido desde o final de 2010, para o governo não passa de um problema momentâneo, causado, sobretudo, pela crise internacional, pela seca, pela Copa e sabe-se lá Deus – ou as estrelas – pelo que mais.

Interessa pouco, nesse aspecto, uma discussão semântica sobre recessão ou estagnação da economia brasileira. O fato concreto é que o crescimento médio do período 2011-2014 será em torno de 1,6%, com o crescimento esse ano próximo à nulidade. Significa dizer que a renda per capita do país dobrará apenas depois de mais de 100 anos. Um intervalo de tempo inconsistente com os desafios sociais que temos.

É urgente reconhecer que o crescimento potencial da economia brasileira se reduziu nos últimos anos. Se foi possível crescer entre 2003-2010 próximo a 4% isso se deveu basicamente por existência de ociosidade no mercado de trabalho. Hoje, com desemprego próximo de 5%, qualquer processo de crescimento sustentável deve ser liderado ou por aumento de produtividade ou pela elevação da taxa de investimento. Aquela deve crescer próxima a 2% e esta se situar perto de 25% do PIB para que a economia volte a vislumbrar crescimento acima de 4%.

Não chegaremos a esses números insistindo em uma política econômica pouco transparente e discricionária a cada período do tempo. Conduzir a política fiscal com contabilidade criativa, reduzir a autonomia da política monetária e aumentar os repasses para o BNDES nos condenará a crescimento abaixo de 2%. Nesse ritmo, não conseguiremos dar conta dos investimentos sociais, aumentando assim o conflito e a insatisfação popular.

Crescer, nesse aspecto, passa por reconduzir a política econômica ao cumprimento de superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante. Além disso, é preciso formar consensos no Congresso para que reformas estruturais possam ser aprovadas, tendo impacto positivo tanto na produtividade quanto na taxa de investimento. É esse o caminho para elevar a taxa de crescimento, o que fará a renda per capita dobrar em menos tempo, dando folga para que consigamos cumprir a agenda social imposta pela Constituição de 1988.

A redução do crescimento brasileiro desde o final de 2010 tem como causa a deterioração da política econômica. Países com renda per capita parecida com a brasileira cresceram entre 2011-2013 acima de 4%, o dobro do que nós crescemos. Não é verdade, portanto, que a estagnação da economia brasileira nesse período seja culpa da crise internacional – ou das estrelas. Ela foi cuidadosamente construída pelo abandono do tripé macroeconômico e o aumento consistente da intervenção do estado nos mais diversos setores da economia.

Ao contrário do que o parco debate político doméstico possa fazer crer, não existe contradição entre exigências sociais e crescimento econômico. Investimentos em saúde e educação elevam a produtividade do trabalhador, o que também eleva o potencial de crescimento. Mas para que esses efeitos positivos sejam sentidos, é preciso ter uma política econômica guiada por regras claras e um ambiente de negócios favorável ao investimento. Somente assim conseguiremos construir uma trajetória sustentável de aumento da renda per capita.

Compartilhe esse artigo

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Email
Print

Comente o que achou desse artigo

Outros artigos relacionados

O papel da credibilidade do Banco Central na desinflação da economia

O objetivo deste trabalho é mensurar a credibilidade da política monetária brasileira através de diferentes métricas e verificar empiricamente se uma maior credibilidade contribui para a redução da inflação. Realizamos a modelagem econométrica usando o pacote {systemfit} disponível na linguagem. Ao fim, criamos um relatório reprodutível com a combinação Quarto + R.

Análise de Criptomoedas com Python

Aprenda a estruturar um pipeline de dados financeiros com Python. Ensinamos a construção de um dashboard automatizado para coleta, tratamento e visualização de criptomoedas via API.

Como Construir um Monitor de Política Monetária Automatizado com Python?

Descubra como transformar dados do Banco Central em inteligência de mercado com um Monitor de Política Monetária Automatizado. Neste artigo, exploramos o desenvolvimento de uma solução híbrida (Python + R) que integra análise de sentimento das atas do COPOM, cálculo da Regra de Taylor e monitoramento da taxa Selic. Aprenda a estruturar pipelines ETL eficientes e a visualizar insights econômicos em tempo real através de um dashboard interativo criado com Shiny, elevando o nível das suas decisões de investimento.

Boletim AM

Receba diretamente em seu e-mail gratuitamente nossas promoções especiais e conteúdos exclusivos sobre Análise de Dados!

Boletim AM

Receba diretamente em seu e-mail gratuitamente nossas promoções especiais e conteúdos exclusivos sobre Análise de Dados!

como podemos ajudar?

Preencha os seus dados abaixo e fale conosco no WhatsApp

Boletim AM

Preencha o formulário abaixo para receber nossos boletins semanais diretamente em seu e-mail.