Em trabalho recente titulado A nova política monetária brasileira no contexto da Grande Recessão (a ser publicado), o economista Ricardo S. P. Lima e eu estimamos uma função de reação para o Banco Central brasileiro no período de janeiro de 2004 a agosto de 2012. Os resultados sugerem que o tratamento dado pela autoridade monetária aos desvios da expectativa de inflação em relação à meta parece ter se modificado. Com efeito, o modelo de metas de inflação não é mais aquele praticado antes da falência do banco norte-americano Lehman Brothers.
O regime de metas de inflação pode ser guiado entre dois extremos básicos. No primeiro o Banco Central tem como foco admitir uma menor variabilidade da inflação efetiva, dado que, geralmente, está em busca de aquisição de credibilidade. Para isso, busca fazer com que os desvios da expectativa de inflação em relação à meta sejam minimizados. Já em um segundo extremo, o compromisso da autoridade monetária passa a ser lidar com o impacto de choques exógenos sobre o nível de atividade, sendo a inflação uma variável de ajuste.
Após o overshooting cambial de 2003, o desvio entre as expectativas de inflação dos agentes e a meta vai declinando, ainda que não monotonamente, até fins de 2008 – muito em função da ocorrência de choques de oferta. Já a partir do início de 2009, quando o Banco Central inicia o processo de afrouxamento monetário, os desvios aumentam, até atingirem um pico em meados de 2011.
Pelos resultados dos modelos estimados, a partir dos efeitos da crise, a autoridade monetária passa a não mais combater os desvios em relação à meta da mesma forma que o fazia no período imediatamente anterior. Isso se explica, basicamente, pelo acúmulo de credibilidade alcançado pela política macroeconômica brasileira no período 2003-2007. Houve melhora significativa de vários indicadores de vulnerabilidade externa, redução e melhora do perfil de endividamento público e acúmulo de reservas internacionais, possibilitados por uma conjuntura internacional sui generis. Para se ter ideia do grau de bonança: dos doze resultados positivos da conta corrente brasileira, cinco deles estão no citado período.
Nesse contexto, houve uma mudança no regime de metas de inflação. Se antes da crise ele era estrito, isto é, a autoridade monetária reagia a choques de oferta, aumentando a taxa básica de juros; hoje ele é flexível: o Banco Central acomoda esses choques dentro do limite superior da meta de inflação. É justamente por perceber esse comportamento da autoridade monetária que os agentes de mercado estão esperando uma inflação em torno de 5,5% para 2013, evidenciando a tal convergência não linear que foi posta na ata da 170ª reunião do Comitê de Política Monetária.
Passar de um para outro extremo não é de todo ruim. Afinal, ninguém pode condenar a autoridade monetária por querer menor impacto sobre o nível de emprego. O problema na mudança elucidada é basicamente de comunicação. Por não comunicar de forma transparente essa mudança, o Banco Central é acusado, por exemplo, de ceder a pressões políticas, o que gera imprevisibilidade na condução da política monetária. Economistas como Milton Friedman e Robert Lucas sugerem que esse comportamento gera externalidades negativas sobre, por exemplo, o nível de investimento das empresas. Com a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) apresentando resultados negativos há cinco trimestres, não seria prudente atentar para isso?