O Banco Central e a Espada de Dâmocles[1]

Há cerca de um mês e meio uma parte expressiva do mercado dava como certo mais dois aumentos da taxa Selic, elevando-a para 12,75% ao ano. Hoje, com o recrudescimento do cenário externo, já há quem fale em corte na taxa ainda em 2011. Entre um e outro cenário o mais provável é que a autoridade monetária faça [na próxima reunião] a parada técnica, mantendo a taxa básica em 12,50% ao longo do restante do ano. Neste artigo discuto a condução recente da política monetária brasileira.

O ciclo de aperto monetário atual começou em abril de 2010, quando a Selic foi alterada em 75 pontos-base. Os índices de preços vinham mostrando sinais de deterioração e, portanto, àquela época era inexorável que o Banco Central elevasse os juros.  Algo que, como sempre, foi cercado de críticas, sempre baseadas no argumento de que a nossa taxa básica [nominal] de juros é a maior do planeta.

Até o fim de 2010 a inflação era reflexo de toda a sorte de razões: choques de oferta interno e externo, choque de demanda e ainda de um componente inercial persistente. A [boa] teoria econômica nos sugere que a autoridade monetária deve reagir a choques de oferta somente quando estes ameaçam a se propagar pela economia. Em outros termos, não há nada o que se possa fazer contra choques passageiros. O problema é quando a elevação de um preço importante [como o de alimentos e combustíveis, por exemplo] se propaga pelos demais preços, fazendo com que o núcleo de inflação[2] seja contaminado.

Já choques de demanda não têm a mesma complacência. Dependendo de quão avesso à inflação seja o banqueiro central, o descompasso entre oferta e demanda é combatido de forma implacável. Ao menor sinal de pressão sobre o hiato[3], a autoridade monetária deve reagir, de preferência, de forma preventiva, dadas as defasagens da política monetária. Foi justamente temendo os efeitos secundários de um choque de oferta e a permanente pressão sobre o hiato, que o Banco Central conduziu um dos maiores apertos monetários do passado recente[4].

Ainda assim, já sob o governo Dilma, a autoridade monetária foi acusada de ser leniente com a inflação. Mesmo aqueles que historicamente se opuseram à postura conservadora do Banco Central brasileiro viram que a disparada da inflação não ajuda ninguém[5]. E tais críticas se deram mesmo após terem sido tomadas medidas prudenciais [aumento de compulsório e maior exigência de capital para empréstimos de longo prazo] e a Selic ter sido elevada em mais de 300 pontos-base – no contrapé da maior parte dos bancos centrais!

A razão simples é que, mesmo tomadas todas essas medidas, a inflação não cedeu. Mesmo com a dissipação dos choques de oferta, restaram a pressão dos serviços e de alguns preços administrados. Isso, tenha ciência o leitor, é fruto das defasagens existentes na transmissão das medidas de política monetária para os preços. Visto um aumento de juros, empresários param de investir e consumidores freiam decisões de consumo. Não instantaneamente, é claro. A produção é afetada, por meio de aumento de estoques, o ritmo de contratação de trabalhadores também. Só ai é que o descompasso entre oferta e demanda é ajustado.

O Banco Central vinha sinalizando em suas notas e relatórios que busca o “pouso suave” da economia brasileira. Não quer [na verdade, ele nunca quer] uma recessão, mas sim a adequação do produto efetivo ao potencial da economia brasileira, dadas as pressões sobre os fatores de produção [trabalho e capital, principalmente]. Em outros termos, o crescimento de 7,5% no ano passado seria inconsistente com o potencial de nossa economia. E nada melhor para demonstrar isso do que a redução a patamares históricos da taxa de desemprego[6].

Já agora, agosto de 2011, não há mais dúvidas de que a economia brasileira está em franca desaceleração. O índice IBC-Br do Banco Central, que busca ser uma medida antecedente do PIB trimestral, registrou em junho -0,26% em relação a maio. É o primeiro valor negativo em 30 meses. Somando isso a já combalida produção industrial, ao menor ritmo de contratação dos últimos meses [medido pelos dados do Ministério do Trabalho] e à redução do volume de vendas no comércio, é sugerido um crescimento menor do que 1% no segundo trimestre de 2011[7].

Nesse contexto, é inexorável que a autoridade monetária manterá a Selic em 12,50% na próxima reunião. Além disso, convém analisar se o crescimento de 4%, projetado no último Relatório de Inflação, não será também revisado. Mas isso não deve ser um indicador de redução da Selic ainda neste ano, dado o comprometimento do Banco Central com a convergência da inflação para a meta de 4,5% no próximo ano[8].

Por fim, o leitor já deve ter percebido, o quão complexa é a missão de um Banco Central. De um lado a intempestividade do cenário externo. De outro, a persistência do processo de aceleração de preços domésticos. No meio de tudo isso, uma sociedade que é [sim] avessa à volta da inflação, mas quer a manutenção de empregos e, portanto, do aumento de renda auferido nos últimos anos. A espada de Dâmocles fica assim cada vez mais afiada...


[1] Dâmocles era cortesão do tirano Dionísio I de Siracusa (405-367 A.C.). Durante um dos banquetes, Dionísio pôs sobre a cabeça de Dâmocles uma espada presa por uma crina de cavalo, pretendo com isso, fazê-lo compreender o sobressalto que marca a vida dos grandes homens. A espada de Dâmocles tornou-se símbolo do perigo iminente.

[2] O núcleo de inflação é uma medida de tendência futura da inflação. Ele exclui variações temporárias [e bruscas] de alguns preços [em função de acontecimentos pontuais em alguns mercados específicos], realçando a tendência geral do processo inflacionário.

[3] O hiato do produto é reconhecido na literatura como a diferença entre o PIB observado [ou efetivo] e o PIB potencial de uma economia, medido em termos percentuais. É um indicador importante [e de grande utilização pelo Banco Central brasileiro] de pressões inflacionárias, ainda que seja cercado de críticas, dado que o produto potencial não é uma medida observável.

[4] Equivalente, em grau, ao promovido entre junho de 2004 e maio de 2005.

[5] Como bem nos lembra Milton Friedman, “a inflação é a única forma de taxação que pode ser imposta sem legislação”.

[6] Em dezembro de 2010 a taxa de desocupação medida pelo IBGE registrou o menor número da série: 5,3% de desemprego aberto.

[7] Contra trimestre imediatamente anterior.

[8] Isso, claro, se nenhuma outra bomba estourar no cenário externo.

Compartilhe esse artigo

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Email
Print

Comente o que achou desse artigo

Outros artigos relacionados

Como tratar dados no Python? Parte 5: renomeando colunas

Como dar novos nomes significativos para as colunas em uma tabela de dados usando Python? Neste tutorial mostramos os métodos de renomeação de colunas disponíveis na biblioteca pandas, que tem como vantagem sua sintaxe simples e prática.

Como tratar dados no Python? Parte 4: operações por grupos

Como mensalizar dados diários? Ou como filtrar os valores máximos para diversas categorias em uma tabela de dados usando Python? Estas perguntas são respondidas com os métodos de operações por grupos. Neste tutorial mostramos estes métodos disponíveis na biblioteca pandas, que tem como vantagem sua sintaxe simples e prática.

Boletim AM

Receba diretamente em seu e-mail gratuitamente nossas promoções especiais e conteúdos exclusivos sobre Análise de Dados!

Boletim AM

Receba diretamente em seu e-mail gratuitamente nossas promoções especiais e conteúdos exclusivos sobre Análise de Dados!

como podemos ajudar?

Preencha os seus dados abaixo e fale conosco no WhatsApp

Boletim AM

Preencha o formulário abaixo para receber nossos boletins semanais diretamente em seu e-mail.