Por que os economistas divergem?

O leitor me perdoe o tema tão batido. Você provavelmente já leu uma dúzia de textos sobre o fato de os Economistas divergirem tanto. Já leu inclusive em algum manual de macroeconomia sobre os motivos pelos quais nós divergimos. Em assim sendo, por que haveria eu de escrever novamente sobre o assunto? A resposta tem a ver com a política.

Querendo ou não, leitor, todos nós, Economistas, somos reféns de nossa visão política. Apesar de alguns de nós tentarmos nos distanciar do dia a dia político e tentar criar uma ciência que faça sentido em qualquer lugar do mundo, não podemos escapar do fato óbvio: somos nós mesmos objetos de nossas ideias. Incluídos nesse organismo vivo e em plena mudança que é a economia, estamos todos nós presos a nossa condição social e política.

Nesse contexto, há uma ligação umbilical entre o que pensamos em termos econômicos e o que somos em termos políticos. Não escaparemos disso, jamais. E já aqui, me assumo: sou social liberal em termos políticos. Acredito que o individuo deve ter respeitadas suas escolhas, deve poder fazer o que lhe convir, desde que (claro) isso não entre em confronto com o que os outros querem – sou liberal, não anarquista! A parte social do termo é que acredito que em uma economia de mercado assimetrias entre indivíduos devam ser minimizadas (a anulação é simplesmente impossível) via a construção de um sistema de educação básico público de qualidade. Em síntese, acredito que equalizando as dotações iniciais, as diferenças entre os indivíduos se darão pelo esforço de cada um.

E o que isso me leva a acreditar em termos econômicos? Novamente, vou direto ao ponto: sou novo-keynesiano. Acredito que a economia de mercado seja o melhor modelo de organização social que o ser humano já inventou. Entretanto, tenho convicção que ele é falho e que precisa de ajustes constantes. As economias se constituem em teias em construção, cheias de defeitos, cheias de remendos a serem realizados ao longo do percurso. Mas não acho que tais falhas sejam fatais ao ponto de sermos em algum momento obrigados a abandonar o modelo ou evocar uma instituição externa (o Estado) que intervenha a todo o tempo.

Em síntese, a construção teórica ao qual me sinto confortável para analisar o mundo econômico é o que pode se considerar o “estado da arte” da macroeconomia. Se no curto prazo existem falhas que devem ser corrigidas e acompanhadas pela política econômica, no longo prazo a economia deve cuidar de outras coisas, tais como as dotações de fatores de produção. Não que isso seja assim perceptível a olho nu: curto e longo prazo se entrelaçam a todo o tempo.

Mas, afinal, perguntará o leitor, o que isso tem a ver com a pergunta do título? Tudo, simplesmente. Teço aqui os motivos. Divergir em economia é, em primeiro lugar, um exercício útil porque não se trata de matemática. A economia não postula axiomas e deles deriva teoremas irrefutáveis, que são guardados em uma gaveta a salvos de qualquer controvérsia. A economia é uma ciência que depende de agentes econômicos e, o mais importante, de suas escolhas. Em assim sendo, cada sequência de eventos pode gerar diferentes interpretações.

Um Economista menos liberal, por exemplo, diante da atual crise financeira, blasfemará com rigor a desregulamentação da década de 80. Comprovará com várias hipóteses que ela seria a causa primeira desse evento. E, por isso, mais Estado será necessário para fazer com que as economias prossigam em seus ciclos de crescimento. Já um Economista mais liberal terá dúvidas sobre se mais Estado não provocará mais falhas de governo, o que gerará perdas de bem estar para o conjunto da população.

E aqui, leitor, lhe ponho a par, se já não o fiz, de nossa miséria: mais ou menos Estado? Em economia, apesar de toda a sofisticação, de todos os modelos, de toda a aparência científica de nossas planilhas ou de nossos programas estatísticos, somos todos divididos entre aqueles que querem mais ou menos Estado. Isso é a economia política de nossas escolhas profissionais. A economia pura tem a ver com demanda ou oferta.

Há entre nós toda a sorte de escolas de pensamento, seguindo diferentes visões e interpretações do que possa ser conhecido como insuficiência de demanda. Suponha que o organismo econômico seja um maratonista, que às vezes precisa parar para se hidratar. Às vezes ele sofre de câimbras nas pernas ou simplesmente se cansa de correr. Anda mais lentamente. Para esses Economistas, a solução é clara: é preciso injetar energia. É preciso, portanto, acionar a política econômica e cuidar dos fatores de demanda: consumo, investimento etc.

No outro espectro há os economistas da oferta, aqueles que acham que a questão é metabólica. Não adianta apenas dar mais energia ao atleta quando ele está soltando os pulmões para fora. É preciso dotá-lo de condições físicas plenas para que suporte todo o percurso. É preciso prepará-lo antes da corrida começar. O organismo econômico precisa dotar os seus fatores de produção – capital e trabalho – de condições adequadas para que eles sejam combinados e virem bens e serviços para a população. E, claro, se tudo der certo – com a demanda – gere empregos e distribua renda.

Repare, leitor, que os Economistas da Demanda sempre preferirão mais Estado, enquanto que os da Oferta preferirão menos. Ou em outros termos, os primeiros preferirão uma política econômica mais ativa, enquanto que os segundos preferirão mais infraestrutura do que propriamente incentivos fiscais ou monetários a todo o tempo. Desse modo, todo e qualquer debate em economia recairá em divergências sobre o que é mais urgente em determinado momento. Mas, é claro, não somos tão chatos assim.

Sabemos, por exemplo, que em momentos como o atual, é óbvio que há insuficiência de demanda e que a política econômica deva ser mais ativa. E também sabemos que não adianta ter uma política econômica mais ativa se não aumentarmos a produtividade da economia como um todo – do Estado, inclusive! Afinal, apesar de muita fé e boa vontade, o Estado não pode elevar o seu próprio endividamento para sempre – vide a Europa, para quaisquer dúvidas sobre o assunto.

As divergências em economia não são assim tão simples, é claro. Mas todas elas perpassam por essa simplicidade dicotômica entre mais ou menos Estado. Mais ou menos ativismo fiscal ou monetário. Mais ou menos foco nos determinantes da oferta ou da demanda. Todas as complicações e construções teóricas são interessantíssimas, mas se você entender que não se trata de outra coisa que apenas isso, já estará em boas mãos, leitor amigo.

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