Vale a pena fazer economia no Brasil?

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De tempos em tempos, recebo alguma mensagem ou e-mail de alunos nos primeiros períodos do curso de economia ou que ainda nem entraram na faculdade sobre o ensino da disciplina e as possibilidades depois de formado. Se vale a pena fazer mestrado/doutorado ou o melhor mesmo é ir direto para uma empresa ou um banco de investimento, se especializando via um MBA em alguma área. Alguns desses alunos fazem referência a um artigo que escrevi há muito tempo, titulado Ensino heterodoxo: notas de uma testemunha - disponível na base de dados desse blog. Relatam, invariavelmente, angústia parecida àquela que descrevo no texto. Dizem que gostariam de estar mexendo com dados, gráficos e modelos. Mas são obrigados a assistir a professores aborrecidos com o capitalismo, fazendo uso de Marx, Schumpeter, Keynes, Kalecki, dentre outros, para criticar a teoria econômica convencional, supostamente baseada em concorrência perfeita e pleno emprego. E me perguntam se não é melhor abandonar o curso e ir para outro, como engenharia, estatística ou mesmo matemática aplicada. Aproveitei uma rara tranquilidade pós almoço de domingo para tecer algumas palavras sobre o assunto.

Muita coisa, muita mesmo, aconteceu na minha vida pessoal e profissional desde a época em que escrevi aquele texto. Participei de muitos projetos, passei por algumas empresas, montei outras, além de ter terminado um mestrado acadêmico em economia. Fui convidado para muitos seminários, palestras, debates e encontros eminentemente acadêmicos, sobre temas dos mais variados. A frustração com o ensino da economia, entretanto, manteve-se. Com alguns graus de deterioração.

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Os professores aborrecidos com o capitalismo, para fazer referência a um desses simpáticos e-mails que recebo, afinal, não se deram por vencidos. Não atualizaram o discurso: continuam com suas bíblias em punho. Usam algum economista defunto para confrontar a teoria econômica convencional supostamente baseada em concorrência perfeita e pleno emprego. O pior? Os meninos e meninas aprendem desde muito cedo a replicar o discurso.

O que os professores aborrecidos com o capitalismo não dizem, por desonestidade ou por desconhecimento, é que um dos maiores desenvolvimentos da teoria econômica no século passado foi justamente incorporar as imperfeições de mercado. Hoje, o modelo básico na cabeça dos macroeconomistas é microfundamentado, com tantas imperfeições quanto forem necessárias para tornar a análise mais interessante. Ninguém tem na cabeça um modelo com concorrência perfeita e o pleno emprego não passa de uma situação estacionária. No curto prazo, há inúmeras falhas de mercado que afastam a economia da plena alocação de recursos. Desde uma simples rigidez de salários nominais até instituições mal desenhadas que geram incentivos equivocados.

Ademais, há um enorme esforço em confrontar esses modelos teóricos com a evidência empírica. Faz-se uso extensivo de métodos estatísticos e de bases de dados novíssimas, verdadeiros parques de diversão para os que conhecem o aperto de mão secreto. A partir da adequação do modelo à evidência empírica, algumas conclusões podem ser tiradas, sempre tendo em mente as restrições envolvidas. É um trabalho difícil, quando não frustrante, por ver que muitas vezes o seu modelo não gera boas previsões. Entretanto, é o método que tem proporcionado inúmeros insights, seja para economistas acadêmicos, profissionais de mercado ou policymakers.

Há problemas com esse jeito careta e convencional de fazer ciência econômica? Sim, inúmeros. Para ficar no que acho o mais grave, há um monte de pesquisador por aí que tortura os dados até que eles se adequem ao modelo proposto. E os resultados encontrados são publicados em journals de grande relevância internacional. Há muito pouca transparência no trabalho científico de economia, sendo praticamente impossível replicar de forma perfeita a enorme maioria dos papers. E isso é um problema realmente muito grave.

Mas como dizem meus amigos paulistas, para hoje é o que tem. Mesmo que não seja possível replicar os mesmos resultados encontrados por um determinado pesquisador, porque não se tem conhecimento exato sobre o conjunto de dados  e o método estatístico utilizados, sempre é possível chegar próximo. E à medida que muitos pesquisadores chegam a resultados muito próximos um do outro, é possível tirar algumas conclusões. Por exemplo, se um indiano e um australiano, de forma totalmente descentralizada, conseguem encontrar evidências de que oferta de moeda e inflação estão positivamente relacionadas no tempo, não seria o caso de começar a atentar para essa hipótese?

Os professores aborrecidos com o capitalismo pensam que o melhor é recuperar o que Keynes disse sobre a moeda e que o tema é complexo demais para ser tratado da forma acima. Ignoram, uma vez mais, o fato de que Keynes foi devidamente incorporado à teoria econômica convencional. E que contribuiriam muito mais para a construção de uma teoria econômica se estivessem envolvidos na incorporação de temas até então heterodoxos.

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E por que estou fazendo referência a isso, dando um enorme rodeio antes de responder a pergunta? Afinal, é para abandonar ou não é para abandonar o curso de economia? 

Tive a preocupação de fazer esse preâmbulo antes de responder para que não fique a impressão que é mau humor meu. Isto porque, acaso você decida entrar ou continuar em uma faculdade de economia, existe uma grande probabilidade de que você venha ter aulas com esses professores aborrecidos com o capitalismo. Eles vão falar para você estudar sociologia, filosofia, direito, Marx, Hegel, Rosa Luxemburgo, Kalecki, Ricardo, Smith, etc, etc. O que eles provavelmente não lhe ensinarão é como você pode usar uma programa estatístico para coletar, tratar, analisar e apresentar dados.

Ademais, grande parte da teoria econômica convencional, composta pelas disciplinas de macro e microeconomia, que esses professores lhe ensinarão será extensivamente criticada. As hipóteses simplificadoras de modelos construídos no século XIX - portanto, longe dos desenvolvimentos mais recentes da disciplina - serão taxadas como heroicas, sempre em tom pejorativo; de modo que o aluno seja inconscientemente levado a crer que o estudo da teoria dita ortodoxa ou neoclássica é uma perda de tempo. E daí para recorrer a algum economista defunto dotado de onisciência sobre os problemas do mundo será um pulo. Toda aquela forma careta e convencional de fazer economia é sentenciada à morte logo nos primeiros períodos na enorme maioria dos cursos de graduação do país.

Por isso, leitor, minha resposta é... depende de onde você quer estudar. Posso colocar minha mão no fogo que você aprenderá economia careta e convencional apenas na PUC-Rio, na FGV-Rio, no Insper (SP) e no IBMEC (MG e RJ). Não posso garantir que você conseguirá fugir de professores aborrecidos com o capitalismo em mais nenhum outro lugar. Logo, caso você não possa estudar nessas escolas, por qualquer que seja o motivo, eu lhe convido a mudar de ideia: pense, sim, em cursar matemática aplicada, estatística ou engenharia de produção, por exemplo. São ótimos cursos, que podem lhe despertar o raciocínio lógico, lhe fazer pensar fora da caixa, munido que estará de forte instrumental quantitativo.

Mas, calma, minha recomendação não pára por aí. Uma vez que você tenha feito um desses cursos, creio que você deva entrar em um mestrado (ou mesmo doutorado) acadêmico em economia. E aqui as opções se abrem, porque aqueles professores aborrecidos com o capitalismo são improdutivos o suficiente para não serem aceitos na enorme maioria dos programas de pós-graduação em economia. Ou seja, mesmo que você não possa cursar uma daquelas faculdades citadas acima, ainda assim você conseguirá ter uma formação razoável em economia, com o plus de ter tido uma boa base em métodos quantitativos.

Espero que essas curtas palavras, em um domingo pós-macarronada, possam lhe ajudar no que está procurando. E, por fim, lembre-se: economia não é religião, logo não precisa de bíblia... 🙂

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(*) Para saber mais sobre esse jeito careta e convencional de fazer ciência econômica, leia The Methodology of Positive Economics, disponível aqui.

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Vítor Wilher é Bacharel e Mestre em Economia, pela Universidade Federal Fluminense, tendo se especializado na construção de modelos macroeconométricos, política monetária e análise da conjuntura macroeconômica doméstica e internacional. Tem, ademais, especialização em Data Science pela Johns Hopkins University. Sua dissertação de mestrado foi na área de política monetária, titulada "Clareza da Comunicação do Banco Central e Expectativas de Inflação: evidências para o Brasil", defendida perante banca composta pelos professores Gustavo H. B. Franco (PUC-RJ), Gabriel Montes Caldas (UFF), Carlos Enrique Guanziroli (UFF) e Luciano Vereda Oliveira (UFF). Já trabalhou em grandes empresas, nas áreas de telecomunicações, energia elétrica, consultoria financeira e consultoria macroeconômica. É o criador da Análise Macro, startup especializada em treinamento e consultoria em linguagens de programação voltadas para data analysis, sócio da MacroLab Consultoria, empresa especializada em cenários e previsões e fundador do hoje extinto Grupo de Estudos sobre Conjuntura Econômica (GECE-UFF). É também Visiting Professor da Universidade Veiga de Almeida, onde dá aulas nos cursos de MBA da instituição, Conselheiro do Instituto Millenium e um dos grandes entusiastas do uso do no ensino. Leia os posts de Vítor Wilher aquiCaso queira, mande um e-mail para ele: vitorwilher@analisemacro.com.br

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