Machado de Assis, talvez o grande nome da literatura brasileira, dizia que era preciso usar da repetição para que o leitor entenda o que está sendo dito. Isso sem dúvida alguma se aplica aos governos. De tempos em tempos é preciso repetir coisas óbvias para ver se os agentes do povo entendem e implementam as medidas que são necessários. Para ser mais claro, escrevo aqui sobre as reformas estruturais que ajudariam o Brasil a ser mais competitivo. Minto, leitor amigo, não simplesmente ajudariam: causariam maior crescimento e desenvolvimento.
O Brasil mudou muito nas últimas duas décadas. Desde a segunda abertura dos Portos, promovida pelo governo Fernando Collor, nossa economia se transformou. Foi uma resposta ao período de inflação galopante, fruto de planos mirabolantes de crescimento econômico a qualquer custo. Afinal, ninguém duvida que o crescimento econômico seja importante. Mas, novamente, não qualquer crescimento. Em primeiro lugar, é preciso que o crescimento per capita avançe. De nada adianta ter um crescimento do produto da ordem de 7% se a população cresce a mesma magnitude. Em segundo lugar, o crescimento deve ser equilibrado: tanto do ponto de vista interno, quanto externo.
Internamente, é preciso que o crescimento econômico seja feito sem pressão inflacionária. E isto, leitor, é mais importante do que simples birra de gente ortodoxa. Inflação, afinal, é o sintoma de uma doença. Não a holandesa, que está na moda entre nossos mais caros heterodoxos, mas de outra: a da restrição da oferta. Uma vez mais, seguindo Machado, lembremos que no curto prazo quem determina o nível de atividade é a demanda por bens e serviços, dada a rigidez de preços e salários. No médio e longo prazos, porém, o produto da economia reage a medidas de incentivo aos fatores da oferta: estoque de capital, tecnologia, mão-de-obra qualificada, melhores instituições etc.
Externamente, é preciso que o crescimento econômico não gere elevados déficits na conta corrente. Novamente, esse é um sintoma. Se o país investe e consome mais do que as suas posses só há um remédio: endividar-se. E isso, em termos de trocas com o resto do mundo significa incorrer em déficits na conta-corrente - aquela que registra exportações e importações, por exemplo. O problema, leitor, é que o balanço de pagamentos precisa ser financiado e isso se faz de duas formas: através de empréstimos ou pela atração de capitais externos. Não se engane: as duas formas são ruins. Na primeira é preciso pagar o serviço da dívida - lembra da crise do início dos anos 80? Na segunda aumentam-se as remessas de lucros, juros e dividendos, aumentando o déficit em conta-corrente. Equilíbrio, leitor. Novamente, não é birra de ortodoxo. Crescer a qualquer custo gera distorções. E essas são de difícil solução, como prova a própria História Econômica Brasileira.
Nesse contexto, o Brasil mudou muito ao longo das últimas duas décadas. Estudos recentes mostram que 90% do nosso aumento de produtividade se deu graças a ganhos de eficiência, gerados pela própria abertura comercial, pelas privatizações e pela estabilização da economia brasileira. Reformas estruturais, portanto, têm externalidades positivas sobre o desenvolvimento. Não se deixe levar pelo canto da sereia, leitor amigo: as políticas tidas como neoliberais da década de 90 são, em última instância, as grandes responsáveis pelo crescimento da última década. Mas se é assim, por que não continuaram?
O Brasil preferiu surfar na onda do aumento dos preços de nossos produtos exportáveis - commodities - e na ampla liquidez internacional. Resolvemos aumentar a relação crédito/PIB e incentivar o consumo das famílias. E isso acabou respingando no aumento do investimento e, consequentemente, no crescimento econômico. Mas a que preço?
Talvez o leitor me lembre que a economia brasileira reagiu bem à crise 2008-09 graças à "caixa de ferramentas" do governo. Medidas fiscais e monetárias foram amplamente utilizadas, garantindo um crescimento de 7,5% em 2010, o maior desde a década de 80. Mas, novamente pergunto, a que preço?
Equilíbrio, leitor. A política anticíclica adotada no imediato pós-crise gerou inflação. Além disso, o déficit em conta-corrente aumentou. Sintomas conhecidos de um velho problema: a restrição da oferta. O investimento, essa peça delicada e volátil, parece não encontrar no Brasil um ambiente favorável para se reproduzir. Mas, novamente, parecemos olhar para os lugares errados em busca de respostas. Ao invés de insistirmos nas reformas estruturais (trabalhista, tributária, jurídica...), culpamos o binômio câmbio-juros por nossas desgraças. Afinal, a indústria de transformação capenga porque os juros são altos e o câmbio muito apreciado.
Confundir sintomas com a própria doença é mesmo um programa genuinamente brasileiro. Afinal, passamos mais de uma década afirmando que o problema da inflação elevada no país era, surpresa, a própria inflação. E o fato dos juros serem elevados? Culpemos os banqueiros e suas margens líquidas excessivas! E o câmbio? Culpemos os países ricos e suas políticas anticíclicas!
Em última instância, leitor, câmbio e juros são preços: elas são determinadas por fatores além da política econômica. Assim como inflação e déficit em conta corrente. Crescer é sem dúvida alguma importante. Mas crescer a qualquer custo, como parece querer este governo, tem consequências. Não enxergar isso pode custar muito caro ao Brasil.