
Para entender o motivo de "preços surreais" é preciso, nesse aspecto, entender como se comportam a oferta e a demanda por bens e serviços. Se estamos interessados em entender por que restaurantes, bares, boates e demais estabelecimentos similares estão com preços elevados, precisamos entender as restrições impostas à oferta dos bens e serviços oferecidos, bem como descrever os demandantes por esses serviços.
A discussão sobre "por que os preços são tão altos no Brasil?" não é nova. As restrições impostas ao aumento da oferta - que poderiam reduzir a pressão sobre os preços - são relevantes, como mostra o Relatório Doing Business, do Banco Mundial. A carga tributária não é apenas alta, mas difícil de ser paga, existe uma infinidade de licenças para se abrir uma empresa, o sistema judiciário é esquizofrênico, as leis trabalhistas são caducas, a infraestrutura para transportar produtos de um ponto a outro é rala dentre tantos outros fatores. Tais restrições são automaticamente repassadas para o preço da batata frita...
Mas, claro, convém olhar para a demanda também. Isto porque, o dono da barraca só pode cobrar os 28 reais se alguém aceitar pagar. A oferta restringida eleva os preços: mas só até certo ponto. Uma parte importante dos 28 reais refere-se ao que os economistas chamam de apropriação do "excedente do consumidor". Em outros termos, você leitor tem um "preço de reserva" para todos os bens e serviços que consome: o quanto você está disposto a pagar. Por exemplo, se você sai da praia e está disposto a pagar R$ 40 por uma batata frita e pagou R$ 28, seu excedente é de R$ 12: aquilo que você deixou de pagar, mas estava disposto a fazê-lo.
Observe, nesse aspecto, que os produtores de bens e serviços estarão a todo o tempo tentando se apropriar do seu excedente enquanto consumidor. Se conseguem ou não tem a ver com inúmeros fatores, como estratégias de discriminação de preço, por exemplo. Mas a variável-chave para o sucesso ou insucesso de suas tentativas dependerá sempre da demanda dos consumidores. Nesse ponto, é simples explicar a seguinte passagem da matéria: "Lá, uma internauta conta que um café que ela costuma frequentar passou a cobrar 96 reais por um prato de filé. 'Levantei e fui embora me sentindo agredida. Olhei o restaurante cheio e me deu vontade de cantar ‘Quanto riso, oh, quanta alegria, mais de mil palhaços no salão….'". O rapaz que foi embora tinha um preço de reserva menor para o prato de filé: as pessoas que lotavam o restaurante não.
Os preços nas praias cariocas são elevados, então, porque, de um lado a oferta é restringida por uma série de constrangimentos e de outro, há consumidores com preços de reserva suficientes para bancar a empreitada. Essa é a questão mais estrutural que explica a trajetória dos preços, não apenas no Rio, mas em qualquer outro lugar. Além disso, há duas questões conjunturais importantes.
A primeira refere-se aos eventos esportivos que a cidade está prestes a sediar. Se está aumentando o número de turistas na cidade, é natural que o preço de bens e serviços reflita esse avanço. A segunda, um pouco mais complexa, refere-se à macroeconomia: os preços dos serviços, que incluem todos os listados na reportagem do El País, como "alimentação fora de casa", têm avançado a uma taxa próxima a 9% ao ano. Bem superior ao número da inflação oficial (5,91% em 2013). Os serviços, intensivos em mão de obra, refletem o avanço dos salários, dada a baixa taxa de desemprego da economia brasileira. Se os salários aumentam mais do que a produtividade (produção/pessoas contratadas), os custos desses empreendedores aumentam e, se há demanda, são repassados para o consumidor.
Em assim sendo, leitor, a batata frita de 28 reais reflete tanto aspectos estruturais - restrições impostas à oferta e preço de reserva de consumidores - quanto conjunturais - eventos esportivos e inflação de serviços. Você pode questionar "quantos surreais" são necessários para pagar a batata: mas será que o dono da barraca é o vilão dessa estória? 🙂
(*) A matéria completa aqui.
(**) Em post anterior chamei atenção para o fato de que a criação de "moedas paralelas" (ainda que o surreal não se configure, ainda, nessa classificação) faz parte de processos inflacionários consolidados. Minha leitura é que estamos no início de uma espiral inflacionária, que está sendo combatida - com muita dificuldade - pela política monetária operada pelo Banco Central. Até quando ela vai dependerá, em grande medida, da combinação de política econômica, isto é, o quanto o governo federal estará disposto a reduzir seus gastos, bem como incentivar - via reformas estruturais - o aumento da oferta agregada. Leia o post aqui.