Crescimento econômico e inflação: uma relação de longo prazo?

Nos últimos meses, o dono deste blog, Vitor Wilher, vem sendo repetitivo em relação aos supostos equívocos que alguns economistas têm cometido, mais especificamente o fato de acreditarem que inflação possa trazer benefícios (leia-se crescimento econômico) de longo prazo para a economia brasileira. O objetivo deste post é justamente tentar provar que o Vitor está errado, isto é, mostrar que existe sim uma relação positiva de longo prazo entre inflação e PIB (uma breve explicação sobre relações de longo prazo e cointegração pode ser encontrada aqui).

É possível gerar crescimento econômico através da geração de inflação ?

Farei isto utilizando métodos simples, dado que só envolvem regressões simples usando MQO e testes de raíz unitária, porém comumente utilizados na literatura, portanto, os leitores com pouca experiência em econometria poderão aprender como testar relações de longo prazo / teorias econômicas de maneira simples. Veja outro exemplo do uso de testes de cointegração aqui.

A minha intenção aqui será ser o mais transparente e sincero o possível, logo, caso alguém queira "testar" os meus resultados é só pedir que disponibilizo os dados e os códigos aqui utilizados.

Para tentar cumprir com o meu objetivo irei usar o log das séries do IPCA e do PIB*, que podem ser vistas abaixo.

PIB e IPCA (índice).
PIB (esquerda) e IPCA (índice).

Bom, primeiramente, dado que o foco aqui é estimar uma relação de longo prazo, estamos na verdade interessados em estimar um modelo de correção de erros, ou Error Correction Model (ECM) no inglês. Porém, para isso é preciso primeiro determinar se as séries em questão são integradas da mesma ordem (e numa ordem maior que 0). Para isto usei o teste ADF sequencial**.

A tabela a seguir*** mostra o último passo do teste ADF sequencial e, a partir desta, eu concluo que as duas séries em questão são ambas I(1). Isto é, são integradas de primeira ordem, ou simplesmente que a primeira diferença das séries é estacionária.

\Delta PIB_t \Delta IPCA_t 1% 5% 10%
\tau -5.45 -3.71 -4.04 -3.45 -3.15
\phi_2 9.95 4.67 6.50 4.88 4.16
\phi_3 14.92 6.91 8.73 6.49 5.47

Como estamos utilizando o logaritmo das séries, podemos considerar a primeira diferença destas como uma boa aproximação para sua variação percentual trimestral. Os dados estacionários estão apresentados a seguir.

Variação trimestral PIB e IPCA.
Variação trimestral PIB e IPCA.

Agora que estabelecemos a ordem de integração, podemos continuar com a estimação da possível relação de longo prazo. Para isso, irei seguir o método de Engle-Granger em dois passos que consiste em:

i) Estimar um MQO com as variáveis não estacionárias;

e, se resíduos do MQO forem estacionários,

ii) Estimar um ECM.

Portanto, primeiro irei estimar um MQO com as séries não estacionárias, para então ver se a combinação linear entre as séries, ou seja, os resíduos, são estacionários. O resultado está resumido abaixo.

Estimativa t
Intercepto 1.00 3.55
IPCA 0.50 12.89

Apesar dos testes de significância não seguirem distribuições normais, podemos ver que o coeficiente da regressão é positivo e que aparentemente é bastante significativo. Logo, se isto não se tratar de uma regressão espúria, isto poderia ser um indicativo de que existe sim uma relação positiva de longo prazo entre PIB e o IPCA (isto é, contrariando o que é dito pelo dono deste blog).

Em seguida, aplico um teste ADF aos resíduos****. O valor crítico do teste se situa em torno de -3.40 enquanto que a estatística de teste estimada está em -1.86. Logo, rejeito a hipótese de que os resíduos da regressão são estacionários e, consequentemente, a regressão é espúria.

Portanto, não há cointegração entre PIB e IPCA. Neste instante os críticos ou céticos poderiam dizer: "Ah, mas você não tentou isso/aquilo...!". Pois é leitores, como eu normalmente sou um desses céticos eu me preparei e aqui vai um breve resumo do que eu fiz, além desse exercício acima, na minha busca em provar que o dono deste blog estava errado em criticar certos economistas:

i) Estimei a relação inversa, ou seja, assumindo o IPCA como endógeno (apesar do fato de que, em havendo cointegração, os resultados deveriam ser assintoticamente iguais);

ii) Usei variações anuais ao invés de trimestre contra trimestre;

iii) Testei a hipótese (mais forte ainda ?) de que a relação seria entre IPCA e PIB Potencial. Para isto estimei 3 diferentes versões de PIB Potencial, todos baseados no filtro HP porém com parâmetros variando de 25 até aproximadamente 100000 de forma a simular diferentes períodos de "ajuste" do PIB potencial.

Infelizmente, para os economistas aos quais o Vitor se refere, neste exercício não consegui achar nenhuma relação de longo prazo. Obviamente, poderia-se repetir este exercício utilizando mais de uma série como um "teste de robustez", porém deixo isto para o leitor mais interessado (leia sobre o Teste de Johansen).

Finalizando, gostaria de deixar bem claro que se alguém conseguir encontrar essa relação, por favor não hesite em entrar em contato comigo ou com o Vitor Wilher!


* A série do PIB é trimestral e dessazonalizada enquanto o índice do IPCA é mensal, logo tornei a série do IPCA trimestral tomando as médias de cada trimestre.

** Como demonstrado em Enders (2009) e Pfaff (2008).

*** Aqui utilizo a mesma notação que Pfaff (2008).

**** Porém não utilizo os valores críticos sugeridos pela tabela Dickey-Fuller comum e sim pelos valores EG-ADF sugeridos em Enders (2009).

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