O manifesto dos economistas amigos da inflação

Alguns economistas divulgaram essa semana um manifesto pelo desenvolvimento e pela inclusão social. Para os autores, há uma assimetria no debate atual sobre os problemas da economia brasileira - que venho tratando nesse espaço desde 2011 - já que, segundo eles, "os meios de comunicação propagam quase exclusivamente que a austeridade fiscal e monetária é a única via para resolver nossos problemas". Não apenas isso, mas também "isto vai na contramão da opinião de economistas de diferentes matizes no Brasil, mas reverbera o jogral dos porta-vozes do mercado financeiro". Ou seja, leitor, a visibilidade da defesa da austeridade fiscal e monetária [leia-se, adequar os gastos do setor público com suas receitas, bem como conduzir os juros para conter a inflação] na mídia seria, para esses autores, o reflexo dos interesses do mercado financeiro e não uma opinião isenta dos economistas que a defendem. Estaria isso correto?

Confesso que não esperava por esse tipo de manifestação. Achei que a essa altura do campeonato, já teríamos pleno entendimento, por exemplo, das causas da inflação, bem como a forma de mantê-la sob controle - correta condução da política econômica. Uma vez que o tal manifesto saiu, entretanto, fui ver os nomes que o assinaram. Impossível, nesse momento, não individualizar esse manifesto, já que ele, nem de longe, representa a opinião dos economistas heterodoxos - vide reação de um deles aqui.

Nesse contexto, os economistas que assinaram o manifesto ressentem-se da existência de "um pensamento único no diagnóstico e nas propostas para os graves problemas da sociedade e da economia brasileira". O diagnóstico a que se referem é o que a política econômica [fiscal, monetária e parafiscal] foi mal conduzida nos últimos anos e a proposta básica é que ela volte a ser bem conduzida, gerando previsibilidade para o investimento, bem como menor pressão para a inflação. A estagnação da economia brasileira não é fruto de insuficiência de demanda, mas sim de restrições associadas à oferta agregada. Voltar ao tripé macroeconômico, bem como dar ênfase às reformas estruturais seria, assim, a forma de enfrentar a atual estagflação da economia brasileira. É contra isso, leitor, que os manifestantes se ressentem e vinculam ao mercado financeiro. O que propõem no lugar?

"É essencial manter taxas de juros reais em níveis baixos e anunciar publicamente um regime fiscal comprometido com a retomada do crescimento, adiando iniciativas contracionistas, se necessárias, para quando a economia voltar a crescer. A atual proporção da dívida pública líquida na renda nacional não é preocupante em qualquer comparação internacional". 

Ou seja, leitor, os autores do manifesto criticam a crítica à política econômica dos últimos anos, mas nada propõem no seu lugar. Parecem entender que os problemas continuam sendo de demanda e não dos obstáculos à oferta agregada. Querem que os juros reais voltem a se reduzir e que o quadro fiscal permaneça o mesmo, só se ajustando quando o crescimento vier. Como, pergunto. Parecem não entender que a condução da política econômica está na raiz do baixo crescimento atual. Não conseguem perceber que a atual desorganização macroeconômica aumenta a imprevisibilidade, reduzindo a confiança dos empresários e, portanto, o investimento e crescimento. Calam-se diante do maior déficit primário acumulado de janeiro a setembro da série histórica. Refletem, desse modo, a visão governista de que a culpa por nossos problemas não é da política econômica mal conduzida nos últimos anos: os que ousam dizer isso estão associados ao mercado financeiro, logo não pensam no povo.

A pobreza técnica desse tipo de abordagem é antiquada e pouco contribui para resolver nossos atuais problemas. Felizmente, houve reação de economistas sérios [aqui e aqui]. Fico triste em ver esse tipo de manifestação, resultado do atraso de alguns economistas, que na pretensão de defender o povo, acaba lhe prejudicando, já que os seus autores são, implicitamente, os grandes amigos da inflação no país. E, inflação, leitor, não prejudica esses economistas: prejudica sempre os mais pobres.

Update: convívio com os amigos da inflação aqui e aqui

Compartilhe esse artigo

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Email
Print

Comente o que achou desse artigo

Outros artigos relacionados

Como automatizar tarefas repetitivas usando Python? Um exemplo para largar o Excel

Manter relatórios diários com dados e análises atualizados é um desafio, pois envolve várias etapas: coleta de dados, tratamento de informações, produção de análises e atualização de relatório. Para superar este desafio algumas ferramentas como Python + Quarto + GitHub podem ser usadas para automatizar tudo que for automatizável. Neste artigo mostramos um exemplo com dados do mercado financeiro.

Criando um Dashboard de análise de Ações no Python

Um Dashboard é um painel de controle que consolida uma variedade de informações sobre um determinado objeto de estudo em um ou mais painéis. Ele simplifica significativamente o processo de análise de dados, oferecendo uma visão global e fácil de entender. Uma maneira simples de construir um Dashboard para acompanhar uma ação específica é utilizando duas ferramentas: Quarto e Python. Neste post, mostramos o resultado da criação de um Dashboard de Ação.

Analisando séries temporais no Python e esquecendo de vez o Excel

Séries temporais representam uma disciplina extremamente importante em diversas áreas, principalmente na economia e na ciência de dados. Mas, afinal, como lidar com esses dados que se apresentam ao longo do tempo? Neste exercício, demonstraremos como compreender uma série temporal e como o Python se destaca como uma das melhores ferramentas para analisar esse tipo de dado.

como podemos ajudar?

Preencha os seus dados abaixo e fale conosco no WhatsApp

Boletim AM

Preencha o formulário abaixo para receber nossos boletins semanais diretamente em seu e-mail.