Inflação é uma doença sem cura, apenas com tratamento

Em certo momento após a inauguração do Real, a sociedade brasileira parou de se preocupar com a inflação. A guerra contra o inimigo, assim como a atual pandemia, foi longa e cansativa para todos nós. A indexação de preços e salários, que estava por trás da hiperinflação brasileira, consumia muito tempo produtivo do país. Era chegado o momento de pensar em outras coisas.

E realmente pensamos. A primeira década do novo século foi bastante produtiva em termos de agenda, debate e implementação de políticas públicas. Só para ficar em um exemplo geral, a transição de governo em 2002, cercada de desconfiança, foi tão bem feita que alguns anos depois, o Brasil alcançaria o selo de grau de investimento pelas agências internacionais de rating.

Isso é um feito e tanto para um país que se acostumou a dar calotes e registrou uma das maiores hiperinflações da História da Humanidade.

O Brasil é realmente um país de superlativos, aliás. Para o bem e para o mal.

O problema da inflação, porém, é que ela não é um inimigo que se vence e se esquece. Se a imunidade baixar, lá está ela novamente se colocando presente.

No Brasil, especificamente, a imunidade baixa de tempos em tempos porque até hoje ainda há economistas que não entendem o fenômeno inflacionário.

Em certos momentos, esses economistas chegam ao governo e controlam a política econômica.

No momento atual, creio, não seja esse o problema. Já aqui, há um outro processo que está sendo desenvolvido que explica novamente o problema com a inflação. Esse processo pode ser dividido em dois aspectos: um externo, outro doméstico.

O aspecto externo está ligado a alguns fatores comuns a vários países, como o aumento do preço de commodities e a restrição na oferta de diversas cadeias de produção.

No campo doméstico, temos uma desvalorização acentuada da taxa de câmbio por conta, principalmente, da piora do ambiente político e da percepção de risco. Ademais, estamos enfrentando uma das piores secas do último século.

Esses choques têm um impacto direto sobre a inflação enquanto aumento persistente e generalizado de preços. A persistência indica que existe uma tendência de alta dos preços ao longo do tempo. A generalização implica que esse aumento é comum a maioria dos preços.

Quando ocorrem choques como os atuais - e haja choque! -, um fenômeno distante do dia a dia da sociedade ocorre no submundo do processo inflacionário. Esse fenômeno é o aumento da inércia inflacionária.

Eu falei detalhadamente sobre isso em um comentário de conjuntura anterior, nesse espaço. Em termos gerais, inércia é o quanto a inflação atual é explicada pela inflação passada. Isto é, não importa o que ocorra com a oferta e com a demanda, se a inércia for alta, a inflação atual será mais difícil de ficar controlada.

Esse é basicamente o aspecto incurável da inflação. Como mostra o gráfico acima, a inércia tem aumentado no período recente, o que torna o combate ao inimigo mais difícil.

O aumento da inércia está intimamente ligado aos inúmeros choques que tem ocorrido sobre a economia brasileira e que listei acima.

Há economistas que dizem que o problema é do Banco Central, mas eu acho isso bobagem. O Banco Central tem muito pouco o que fazer sobre isso, como venho comentando aqui nas últimas semanas.

Seja como for, me surpreende a surpresa de alguns analistas e economistas com os resultados da inflação mensal medida pelo IPCA. Como também tenho dito nesse espaço repetidas vezes, a inflação pegou no breu e não vai dar descanso tão cedo.

Diante de uma doença sem cura, resta seguir o tratamento.

E nesse caso, como em todos os casos, que seja o tratamento convencional.

Já basta de cloroquina.

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(*) Para entender mais sobre a inércia inflacionária, confira nossos Cursos de Macroeconomia Aplicada.

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