
Para responder essa pergunta, a primeira coisa que devemos definir é o conceito de choque. O que é um choque, afinal? Para efeitos de contribuição mensal dos 9 grupos no índice cheio do IPCA-15, podemos definir um choque como uma contribuição que exceda o comportamento médio ao longo do tempo. Ou, para gerar menos volatilidade, podemos trabalhar com a mediana ao invés da média. Nesse caso, se a contribuição em determinado mês exceder muito a mediana, podemos considerar que está havendo um choque, isto é, um comportamento anormal na série. Mas ainda temos um problema: o que é muito?
Para caracterizar o "muito" ou o "pouco" em relação a mediana, podemos trabalhar com intervalos. Nesse caso, a contribuição mensal do grupo Alimentos e Bebidas estará "controlada" por um intervalo superior e outro inferior em relação à mediana. Fica simples, assim, avaliar se em um determinado mês houve um choque: naquele mês a contribuição mensal excedeu o intervalo superior criado. Ou, analogamente, se aproximou do limite superior criado. Parece um critério razoável e simples para se verificar se o grupo está pressionando o índice cheio.
Na tabela acima, é possível não apenas verificar a contribuição mensal, em pontos percentuais, do grupo Alimentos e Bebidas, mas dos demais oito grupos. Para o período de maio de 2000 a março de 2014 (167 meses), verificamos que a média de contribuição do grupo Alimentos e Bebidas foi de 0,14 pontos percentuais, enquanto a mediana foi de 0,12. O desvio-padrão dessa contribuição foi de 0,19 pontos percentuais. Como se percebe na comparação com os demais grupos, Alimentos e Bebidas é a maior contribuição mensal (média e mediana) para o índice cheio. Ademais, é o que apresenta a maior volatilidade, medida pelo desvio-padrão.
O que os dados estão dizendo é que você deve olhar com cuidado a contribuição de 37% do grupo Alimentos e Bebidas em março desse ano, divulgada pela imprensa especializada. Esse valor diz que nesse mês, dos 0,73% de variação mensal do IPCA-15, 0,27 pontos percentuais pertencem ao grupo Alimentos e Bebidas. Mas isso é muito? Se considerarmos a mediana e o desvio padrão, o intervalo superior da contribuição mensal seria de 0,31 pontos percentuais. Em outros termos, a contribuição do grupo no mês de março está dentro do intervalo superior. O gráfico abaixo considera a evolução da contribuição mensal, controlada pelos intervalos, para o período de maio de 2000 a março de 2014.
Podemos considerar nesse gráfico alguns pontos fora do intervalo superior. Destaquei alguns mais recentes - no pós-crise. O evento extremo de 2002 foi desconsiderado, dado que está em linha com a crise de confiança provocada pela eleição do PT. Para os casos destacados, pode-se dizer que são efeitos de choques (externos ou internos ) de alimentos, reconhecidos pelo acompanhamento da conjuntura. Seja em função de efeitos climáticos, seja por descolamento dos preços de commodities. Já no último ponto, março de 2014, ainda não podemos dizer que o aumento verificado no atacado foi repassado para os preços no varejo. Ainda que, a princípio, a contribuição de 37% chame atenção.
Por fim, podemos considerar o subgrupo Alimentação no domicílio, que verifica de fato a pressão de alimentos, excluindo os efeitos da "inflação de serviços", representada pelo subgrupo Alimentação fora do domicílio. Aquele representa cerca de 70% do grupo Alimentos e Bebidas, enquanto este fica com o restante. O gráfico abaixo ilustra, para o mesmo período anterior, o comportamento da contribuição mensal do subgrupo "no domicílio", em pontos percentuais.
O comportamento do subgrupo é similar ao do grupo, o que já era esperado dada a sua participação. Nesse caso, novamente, o que vemos é que ainda não se pode falar em choque de alimentos no IPCA-15. A tabela abaixo faz a comparação entre média, mediana, desvio-padrão, máximo e mínimo para a contribuição dos dois subgrupos.
O que se verifica é que a contribuição do subgrupo Alimentação no domicílio em março está dentro do intervalo que construimos. Interessante notar, entretanto, que a contribuição do subgrupo Alimentação fora do domicílio em março está acima do desse intervalo. 54% da contribuição de 0,09 pontos percentuais veio do item "refeição", que dificilmente pode estar refletindo um choque de commodities, sendo causada essencialmente pela "inflação de serviços".
Em assim sendo, o que podemos dizer com base no critério construído é que a contribuição do grupo Alimentos e Bebidas para o IPCA-15 de março não pode ser considerado um choque. O que podemos dizer é que a contribuição benigna desse grupo para o índice cheio, verificada no segundo semestre do ano passado, parece ter terminado. A acompanhar se a leitura do IPCA de março incorporará novas informações. Infelizmente, entretanto, ele será divulgado apenas depois da reunião do Copom, no dia 9 de abril. A despeito disso, a surpresa do Comitê com o comportamento do índice cheio nesse primeiro trimestre de 2014 deve levar em consideração um possível repique no grupo de alimentos de uma alta no atacado nos próximos meses. O mais prudente será considerar outros dados e índices, como nível de atividade e o IPC-S, que capta semanalmente a variação da inflação no varejo. Vamos aguardar, então, o que o Comitê indicará na ata sobre como viu o "choque" de alimentos e as perspectivas de contágio sobre o varejo.
ps: talvez mais interessante que avaliar o grupo alimentos, seja verificar o impacto dos transportes no índice cheio. A média dos últimos anos tem sido baixa, dados os subsídios concedidos pelo governo federal. Com o avanço dos preços administrados esse ano, a pressão sobre o índice cheio deve permanecer por longo período. Comento em outra oportunidade essa questão. 🙂


