Uma questão a ser avaliada na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM), nos dias 1 e 2 de abril, será o repasse do aumento de preços de algumas commodities para os índices de preço no atacado e destes para o varejo no Brasil. O índice CRB (Commodity Research Bureau) no seu corte de alimentos apresenta uma alta de 18% nos últimos três meses. No atacado, essa alta do CRB foi captada pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) no seu corte agropecuário. Ele saiu de uma deflação nos últimos seis meses terminados em janeiro para alta de 0,47% em fevereiro, no acumulado em 12 meses. No Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15) de março, divulgado na última sexta-feira, uma das questões levantadas pela imprensa especializada foi a contribuição de 37% do grupo Alimentos e Bebidas para a variação mensal de 0,73%. Será que a variação desse grupo já pode ser considerado um efeito do aumento observado no exterior e no índice atacado? Vamos aos dados para responder.
Para responder essa pergunta, a primeira coisa que devemos definir é o conceito de choque. O que é um choque, afinal? Para efeitos de contribuição mensal dos 9 grupos no índice cheio do IPCA-15, podemos definir um choque como uma contribuição que exceda o comportamento médio ao longo do tempo. Ou, para gerar menos volatilidade, podemos trabalhar com a mediana ao invés da média. Nesse caso, se a contribuição em determinado mês exceder muito a mediana, podemos considerar que está havendo um choque, isto é, um comportamento anormal na série. Mas ainda temos um problema: o que é muito?
Para caracterizar o "muito" ou o "pouco" em relação a mediana, podemos trabalhar com intervalos. Nesse caso, a contribuição mensal do grupo Alimentos e Bebidas estará "controlada" por um intervalo superior e outro inferior em relação à mediana. Fica simples, assim, avaliar se em um determinado mês houve um choque: naquele mês a contribuição mensal excedeu o intervalo superior criado. Ou, analogamente, se aproximou do limite superior criado. Parece um critério razoável e simples para se verificar se o grupo está pressionando o índice cheio.
Na tabela acima, é possível não apenas verificar a contribuição mensal, em pontos percentuais, do grupo Alimentos e Bebidas, mas dos demais oito grupos. Para o período de maio de 2000 a março de 2014 (167 meses), verificamos que a média de contribuição do grupo Alimentos e Bebidas foi de 0,14 pontos percentuais, enquanto a mediana foi de 0,12. O desvio-padrão dessa contribuição foi de 0,19 pontos percentuais. Como se percebe na comparação com os demais grupos, Alimentos e Bebidas é a maior contribuição mensal (média e mediana) para o índice cheio. Ademais, é o que apresenta a maior volatilidade, medida pelo desvio-padrão.
O que os dados estão dizendo é que você deve olhar com cuidado a contribuição de 37% do grupo Alimentos e Bebidas em março desse ano, divulgada pela imprensa especializada. Esse valor diz que nesse mês, dos 0,73% de variação mensal do IPCA-15, 0,27 pontos percentuais pertencem ao grupo Alimentos e Bebidas. Mas isso é muito? Se considerarmos a mediana e o desvio padrão, o intervalo superior da contribuição mensal seria de 0,31 pontos percentuais. Em outros termos, a contribuição do grupo no mês de março está dentro do intervalo superior. O gráfico abaixo considera a evolução da contribuição mensal, controlada pelos intervalos, para o período de maio de 2000 a março de 2014.
Podemos considerar nesse gráfico alguns pontos fora do intervalo superior. Destaquei alguns mais recentes - no pós-crise. O evento extremo de 2002 foi desconsiderado, dado que está em linha com a crise de confiança provocada pela eleição do PT. Para os casos destacados, pode-se dizer que são efeitos de choques (externos ou internos ) de alimentos, reconhecidos pelo acompanhamento da conjuntura. Seja em função de efeitos climáticos, seja por descolamento dos preços de commodities. Já no último ponto, março de 2014, ainda não podemos dizer que o aumento verificado no atacado foi repassado para os preços no varejo. Ainda que, a princípio, a contribuição de 37% chame atenção.
Por fim, podemos considerar o subgrupo Alimentação no domicílio, que verifica de fato a pressão de alimentos, excluindo os efeitos da "inflação de serviços", representada pelo subgrupo Alimentação fora do domicílio. Aquele representa cerca de 70% do grupo Alimentos e Bebidas, enquanto este fica com o restante. O gráfico abaixo ilustra, para o mesmo período anterior, o comportamento da contribuição mensal do subgrupo "no domicílio", em pontos percentuais.
O comportamento do subgrupo é similar ao do grupo, o que já era esperado dada a sua participação. Nesse caso, novamente, o que vemos é que ainda não se pode falar em choque de alimentos no IPCA-15. A tabela abaixo faz a comparação entre média, mediana, desvio-padrão, máximo e mínimo para a contribuição dos dois subgrupos.
O que se verifica é que a contribuição do subgrupo Alimentação no domicílio em março está dentro do intervalo que construimos. Interessante notar, entretanto, que a contribuição do subgrupo Alimentação fora do domicílio em março está acima do desse intervalo. 54% da contribuição de 0,09 pontos percentuais veio do item "refeição", que dificilmente pode estar refletindo um choque de commodities, sendo causada essencialmente pela "inflação de serviços".
Em assim sendo, o que podemos dizer com base no critério construído é que a contribuição do grupo Alimentos e Bebidas para o IPCA-15 de março não pode ser considerado um choque. O que podemos dizer é que a contribuição benigna desse grupo para o índice cheio, verificada no segundo semestre do ano passado, parece ter terminado. A acompanhar se a leitura do IPCA de março incorporará novas informações. Infelizmente, entretanto, ele será divulgado apenas depois da reunião do Copom, no dia 9 de abril. A despeito disso, a surpresa do Comitê com o comportamento do índice cheio nesse primeiro trimestre de 2014 deve levar em consideração um possível repique no grupo de alimentos de uma alta no atacado nos próximos meses. O mais prudente será considerar outros dados e índices, como nível de atividade e o IPC-S, que capta semanalmente a variação da inflação no varejo. Vamos aguardar, então, o que o Comitê indicará na ata sobre como viu o "choque" de alimentos e as perspectivas de contágio sobre o varejo.
ps: talvez mais interessante que avaliar o grupo alimentos, seja verificar o impacto dos transportes no índice cheio. A média dos últimos anos tem sido baixa, dados os subsídios concedidos pelo governo federal. Com o avanço dos preços administrados esse ano, a pressão sobre o índice cheio deve permanecer por longo período. Comento em outra oportunidade essa questão. 🙂