Introdução
A dinâmica do mercado de trabalho brasileiro tem apresentado movimentos atípicos no período pós-pandemia. Enquanto a taxa de desocupação atinge mínimas históricas, um outro indicador fundamental intriga os economistas: a Taxa de Participação na Força de Trabalho.
Este indicador, que mede a proporção de pessoas em idade de trabalhar que estão efetivamente ocupadas ou buscando emprego, não retornou à sua tendência pré-2020 com a mesma velocidade que outros indicadores. Compreender esse fenômeno é crucial para entender se o atual “pleno emprego” é estrutural ou fruto de uma oferta de trabalho restrita.
Analisaremos os dados da PNAD Contínua para decompor esses movimentos e responder: o que está segurando a taxa de participação?
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Objetivo
O objetivo deste estudo é analisar a evolução da Taxa de Participação no Brasil, contrastando-a com a Taxa de Desocupação e decompondo suas variações para entender os vetores (populacionais e de força de trabalho) que influenciam o comportamento atual do mercado de trabalho. Para isso, utilizamos a linguagem R em todo o processo, desde a coleta e o tratamento das informações até a visualização dos resultados, empregando os principais pacotes disponíveis no ecossistema da linguagem.
Dados
Os dados utilizados foram extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), fonte oficial do IBGE, abrangendo a série histórica recente até as projeções e dados mais atuais disponíveis.
Utilizamos a Tabela 6318 disponível no SIDRA/IBGE, e capturamos as seguintes classificações do quadro: 32385 (PIA) | 32386 (PEA) | 32387 (PO).
- Gráfico da Esquerda (Taxa de Desocupação): Observamos uma queda vertiginosa do desemprego após o pico da pandemia (2020-2021). A taxa saiu de patamares próximos a 15% para níveis abaixo de 7% (e projetando quedas contínuas até 2025/26). Isso indica um mercado de trabalho aquecido, com alta demanda por mão de obra.
- Gráfico da Direita (Taxa de Participação): A taxa de participação sofreu um colapso em 2020 (o “vale” profundo no gráfico). Embora tenha havido uma recuperação em “V” inicial, ela estagnou em um patamar inferior ao observado entre 2012-2019 (onde flutuava acima de 63%). Atualmente, ela oscila próxima a 62%.
A queda do desemprego não se deve apenas à criação de vagas, mas também ao fato de que menos pessoas estão pressionando o mercado (o denominador da taxa de desemprego, a PEA, cresceu menos que o esperado). Se a participação tivesse retornado aos níveis de 2019, a taxa de desemprego seria, estatisticamente, mais alta.
Abaixo, temos a decomposição, ou seja, o que fez o desemprego subir ou descer, em termos de efeito de força de trabalho (PEA) e população ocupada (PO). A linha preta representa a variação da taxa de desocupação.
As barras laranjas representam o efeito da população ocupada (PO). Quando aparecem negativas, mostram que a criação de empregos está contribuindo para reduzir a taxa de desocupação. Já as barras azuis indicam o efeito da força de trabalho (PEA): quando positivas, revelam que mais pessoas estão entrando no mercado e, por isso, pressionam o desemprego para cima.
O choque de 2020 fica evidente no gráfico: as barras laranjas sobem acentuadamente, refletindo a destruição de empregos, enquanto as azuis caem, indicando a saída em massa de trabalhadores da força de trabalho. Durante a recuperação entre 2021 e 2022, as barras laranjas passam a aparecer profundamente negativas, mostrando que a criação de vagas foi o principal fator por trás da queda do desemprego.
Nos períodos mais recentes, entre 2024 e 2025, as barras azuis ficam discretas. Isso reforça que a entrada de pessoas na força de trabalho tem sido modesta, o que facilita a manutenção da taxa de desocupação em níveis historicamente baixos.
Para responder à pergunta central do exercício, analisamos os fatores que determinam a taxa de participação, medida pela razão entre a PEA e a PIA.
O gráfico da esquerda apresenta a variação interanual, evidenciando a volatilidade de curto prazo, enquanto o gráfico da direita mostra o acumulado desde 2021 — este é o mais importante para a conclusão, pois revela a contribuição de cada componente para a taxa de participação ao longo do período.
As barras laranjas representam o efeito da população em idade ativa (PIA) e aparecem consistentemente negativas. Isso ocorre por um motivo demográfico: a população brasileira continua crescendo e envelhecendo, e como a PIA é o denominador da taxa de participação, seu aumento tende a empurrar a taxa para baixo sempre que a força de trabalho não cresce na mesma proporção. Já as barras verdes mostram o efeito da força de trabalho (PEA), isto é, o crescimento real de pessoas que desejam trabalhar. A linha preta representa o resultado final: a própria taxa de participação.
No gráfico acumulado, fica claro que a força de trabalho vem crescendo e tentando sustentar a taxa, mas enfrenta uma “correnteza” demográfica constante. O aumento da PIA funciona como um redutor estrutural, exigindo que a entrada de trabalhadores seja muito maior do que o crescimento populacional para que a taxa de participação suba de fato. Como o crescimento da PEA apenas compensa parcialmente esse efeito, o resultado é a estabilização da linha preta.
O que afetou a Taxa de Participação?
A taxa de participação no Brasil mostrou-se resiliente, mas ainda limitada, permanecendo abaixo dos níveis observados antes da crise sanitária de 2020. Esse comportamento sugere que fatores estruturais e conjunturais continuam influenciando a dinâmica do mercado de trabalho. Para compreender plenamente esse movimento, é necessário aprofundar a investigação sobre os elementos que têm impedido a retomada completa da taxa, complementando a análise com estudos mais detalhados sobre seus determinantes.
- Efeito Demográfico (Envelhecimento): um possível fator estrutural que impede o retorno da taxa aos picos históricos é a transição demográfica. A população em idade ativa (PIA) cresce, mas a proporção de idosos (que naturalmente participam menos) aumenta. Isso gera o “arrasto” negativo observado nas barras laranjas da Figura 3.
- Mudança de Preferências e Renda: A recuperação da PEA (barras verdes) perdeu fôlego. Isso sugere que parte da população que saiu do mercado na pandemia não retornou, seja por desalento, por opção de dedicar-se aos estudos (no caso dos mais jovens), ou por uma elevação do salário de reserva (possivelmente influenciada por programas de transferência de renda, por exemplo, o aumento proporcionado pelo auxílio brasil/bolsa família em 2022 e 2023).