O crédito direcionado, aquele que é administrado por bancos públicos e possui subsídios importantes envolvidos na sua intermediação, ainda é bastante relevante no mercado de crédito brasileiro. Para ilustrar, como ensinamos em nosso Curso de Análise de Conjuntura usando o R, vamos coletar os dados referentes a crédito diretamente do Banco Central com o R.
Para isso, nós utilizamos o pacote rbcb, como abaixo.
No código acima, nós estamos basicamente pegando os dados do crédito livre, aquele que é intermediado sem subsídios e o crédito direcionado que falamos acima. A partir das séries coletadas, nós podemos criar as taxas de crédito livre e de crédito direcionado a partir do estoque total de crédito. Com efeito, podemos gerar o gráfico abaixo.
A despeito da mudança na estrutura da taxa de juros que regula os empréstimos do BNDES, parte importante do estoque de crédito direcionado, o mesmo ainda responde por mais de 40% do total de crédito no Brasil.
A despeito da forte queda na taxa básica de juros, a Selic, o juro para a pessoa física ainda permanece em níveis elevados. Para ilustrar, vamos pegar os dados diretamente do Banco Central com o código de R a seguir.
De posse dos dados, podemos construir o gráfico abaixo.
Como se vê, a despeito de estarem correlacionados ao longo do tempo, a diferença de nível é gritante. Enquanto a taxa básica de juros está em 4,25%, o juro médio para pessoa física permanece próximo a 50% a.a. Essa diferença leva em conta uma série de fatores, resumidos no que chamamos de spread bancário - a diferença entre o custo de captação e o de empréstimo. Existem vários fatores que explicam o spread, como, por exemplo, a inadimplência - ver a edição 60 do Clube do Código.
Nesse contexto, como já discuti nesse e em outros espaços, o juro para o tomador final tem tanto um componente macro quanto microeconômico. No primeiro, ele depende fortemente da taxa básica de juros, que é afetada por condições macroeconômicas de equilíbrio, como a situação fiscal do setor público.
A parte macro do problema avançou bastante nos últimos anos. Em particular, a aprovação do teto de gastos e a reforma da previdência tiveram impacto expressivo sobre o chamado juro de equilíbrio da economia brasileira.
O grosso do problema, contudo, ainda reside sobre o lado microeconômico. Em particular, o risco de crédito é um fator preponderante para explicar o nível ainda elevado do juro a pessoa física no Brasil. Ainda é muito difícil recuperar crédito no país, uma vez que ocorre inadimplência.
Para ilustrar, fizemos um exercício no Clube do Código que busca justamente dar luz a esses problemas - é a edição 50 do Clube. O modelo estimado é dado pela equação
(1)
Em que:
: Taxa média de juros - recursos livres - pessoa física - total (SGS/BCB: 20740)
: Foram testadas as taxas Selic e Swap pré-DI 30, 60, 90, 120, 180 e 360. Por fim, utilizou-se a taxa Swap pré-DI 90 (SGS/BCB: 7818)
: Inadimplência - pessoa física - total (SGS/BCB: 21112)
: Foram testados a medida de risco-país (Embi) e o índice de incerteza da economia da FGV. O modelo final considerou este último.
: dummies trimestrais.
: indicam defasagens utilizadas.
Em conjunto, os resultados parecem corroborar a ideia de que a inadimplência é um fator relevante para explicar a taxa de juros ao tomador. Por outro lado, a incerteza apresenta significância estatística e, portanto, contribui para aumentar os juros ao tomador. Isto parece estar em linha com a ideia de uma postura mais conservadora dos bancos.
Mudar essa realidade, por fim, exige um ataque microeconômico de difícil operação. Passa não só por redução da assimetria entre oferta e demanda por crédito, como também maior celeridade no julgamento de processos de resgate de crédito. Esse último é a ponta mais difícil do processo.
O novo ministro da economia, Paulo Guedes, ao tomar posse fez questão de mencionar a atual estrutura do mercado de crédito brasileiro. Guedes falou da necessidade de desestatizar o mercado. E será que faz sentido o que o ministro disse? Para mostrar, assim como fazemos em nossos Cursos Aplicados de R, podemos usar o R para ver o estoque de crédito na mão de instituições estatais e privadas. O código abaixo pega as séries de crédito para essas diferentes classes de instituições com o pacote rbcb.
Uma vez que tenhamos esses dados, criamos um data frame dividindo as mesmas pelo total de estoque de crédito.
dates <- seq(as.Date('2000-01-01'), as.Date('2018-11-01'), by='1 month')
data <- data.frame(privado=privado$`2043`/(estatal$`2007`+privado$`2043`)*100,
estatal=estatal$`2007`/(estatal$`2007`+privado$`2043`)*100)
Utilizamos, então, o pacote xts para ordenar o data frame e depois a função melt para empilhar os dados.
library(xts)
library(reshape2)
data <- xts(data, order.by=dates)
data <- data.frame(time = index(data), melt(as.data.frame(data)))
Por fim, usamos o código abaixo para criar um gráfico ggplot.
library(scales)
library(ggplot2)
ggplot(data, aes(x = time, y = value)) +
geom_area(aes(colour = variable, fill = variable))+
xlab('')+ylab('Participação Percentual')+
labs(title='Crédito Estatal vs. Crédito Privado',
caption='Fonte: analisemacro.com.br com dados do Banco Central.')+
theme(legend.position = 'bottom',
legend.title=element_blank())+
scale_x_date(breaks = date_breaks("2 years"),
labels = date_format("%Y"))
E o resultado é esse daí...
O gráfico parece dar razão a fala do novo ministro da economia. Mais da metade do estoque de operações de crédito no país está nas mãos de instituições estatais, sujeitas a incentivos distintos daqueles observados no mercado. Desestatizar o mercado de crédito parece ser, de fato, algo a se fazer, não é mesmo?
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O tema juro alto no Brasil volta em meia aparece na imprensa. Em tempo de eleições gerais no país, o tema tem sido recorrentemente abordado por jornalistas, candidatos e economistas. Como já disse em diversas oportunidades nesse espaço, existem três razões principais para que o juro de equilíbrio da economia brasileira seja elevado: o fiscal ruim, a poupança baixa e o crédito direcionado. Sobre esse último, a despeito de existirem diversos trabalhos mostrando sua relevância para explicar o juro mais alto no país, ainda há muito desconhecimento sobre a questão. Mesmo entre pessoas que deveriam entender sobre o assunto, como economistas e professores de economia. Nesse post, como no nosso Curso de Análise de Conjuntura usando o R, mostro como é possível verificar a expansão do crédito direcionado nos últimos anos no país.
A ideia é razoavelmente simples. Enquanto o crédito direcionado possui taxas de juros subsidiadas para alguns setores da economia, o crédito privado vai ter taxas de juros mais elevadas para todos os demais setores. Afinal, o Banco Central precisará aumentar mais os juros básicos para atingir o chamado crédito livre, que não atende a direcionamentos do setor público, para conter a demanda em tempos de contração monetária. Tudo, diga-se, previsto pela teoria da política monetária. Abaixo, ilustramos que a coisa só se agravou nos últimos anos, com o crédito direcionado saindo de 35% no início de 2007 para mais de 47% no último dado disponível, que é junho desse ano.
O gráfico é, a propósito, gerado no R (aprenda a usar R nos nossos Cursos Aplicados) com dados coletados diretamente do site do Banco Central com o pacote BETS. Ela dá uma dimensão sobre a presença do crédito direcionado na economia, ocupando hoje quase a metade de todo o crédito disponível no país. Somado ao elevado endividamento do setor público e a baixa poupança, o crédito direcionado nessas proporções explica por que temos um juro de equilíbrio tão alto, se comparado a países com mesmo nível de renda.
Atacar o problema, por suposto, implica em desmontar todo o sistema que está por trás desse número, composto basicamente por bancos públicos como BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. É uma tarefa díficil, que vai contra diversos interesses, principalmente daqueles que se beneficiem desse tipo de crédito direcionado. Mas, se o objetivo é ter um juro de equilíbrio mais baixo, é por aí que se deve caminhar...
Em palestra recente na UFMS, um aluno citou um documento intitulado Livro Verde para justificar o fato do BNDES emprestar mais para Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPMEs) do que para Grandes Empresas. Disse na oportunidade que isso não era verdade, que os dados dizem justamente o contrário. Só hoje, porém, em uma manhã de sábado nublada no RJ, consegui parar para mostrar a evidência disso. Os dados utilizados são públicos, disponibilizados na página do Banco, em Transparência e depois em Central de Downloads - ver aqui. Como de hábito, importo os dados com o código abaixo, utilizando o :
O código acima importa e trata os dados de desembolsos do BNDES por porte da empresa. Abaixo, eu somo os desembolsos das MPMEs e divido pelo total de desembolsos, de modo a obter a participação mensal das mesmas. Faço o mesmo para as grandes empresas.
## Criar variáveis
mpme = rowSums(bndes[,1:3])/bndes[,5]*100
grande = (bndes[,4])/bndes[,5]*100
Por fim, crio um gráfico de área de modo a ilustrar a participação de cada grupo no total de desembolsos.
## Criar gráfico
dates = seq(as.Date('2001-01-01'), as.Date('2018-01-01'),
by='1 month')
df = data.frame(mpme=mpme, grande=grande)
df = xts(df, order.by=dates)
df = data.frame(time=index(df), melt(as.data.frame(df)))
ggplot(df, aes(x = time, y = value)) +
geom_area(aes(colour = variable, fill = variable))+
xlab('')+ylab('Participação Percentual')+
labs(title='Desembolsos do BNDES: Grandes vs. MPME',
caption='Fonte: analisemacro.com.br com dados do BNDES')+
theme(legend.position = 'bottom',
legend.title=element_blank())+
scale_x_date(breaks = date_breaks("1 years"),
labels = date_format("%Y"))
E o gráfico...
Pronto: a evidência do que eu afirmei na palestra está aí... 🙂