O rebaixamento do Brasil é apenas o início do processo

Como era esperado, a agência de classificação de risco Standard & Poor´s rebaixou o rating do Brasil em moeda estrangeira, de "BBB" para "BBB-". Ainda é um nível de classificação considerado investment grade, o que, a despeito do que possa argumentar o governo, parece estar em linha com os problemas vivenciados pela economia brasileira. O rebaixamento se soma ao anúncio feito na semana passada pela presidente do Federal Reserve, o banco central norte-americano, sobre o início do aumento de juros: ele deve vir mesmo em 2015. Com isso, a "tempestade perfeita", termo cunhado pelo ex-ministro Delfim Neto, vai se avizinhando. Adicione os problemas no setor elétrico e sim, podemos falar em um momento bastante delicado para a economia doméstica.

A agência citou o problema fiscal e o baixo crescimento brasileiro nos últimos anos para a decisão. Pelo visto, o anúncio de contingenciamento de despesas (que não existiam), bem como o pacote energético, não foram suficientes para impedir que a agência tomasse a decisão sobre o risco do crédito do país. Como comentei aqui e aqui o problema fiscal e o elétrico não seriam mesmo resolvidos com boas intenções. São situações graves, fruto de um descompromisso do governo com medidas estruturais.

A questão fiscal está envolta em uma série de manobras contábeis que prejudicam soberbamente a transparência bem como vão na direção contrária ao menor impacto sobre a demanda agregada. Gera, portanto, perda de credibilidade e dificulta o trabalho da autoridade monetária, para trazer a inflação para o centro da meta. Já a situação elétrica foi causada, preponderantemente, pela fixação do governo em gerar menor impacto sobre a tarifa dos consumidores. Isso causou problemas de incentivos graves para os investimentos em geração de energia, causando em última instância a perspectiva de racionamento que vivemos hoje.

Infelizmente, entretanto, tanto o problema fiscal quanto o elétrico são apenas exemplos de um quadro maior. O intervencionismo do governo no organismo econômico fez o país regredir de uma situação de economia de mercado com potencial de expansão para apenas mais um exemplo de capitalismo de estado. Ao invés de fazermos as reformas estruturais (tributária, política, judiciária, de infraestrutura...) e conduzir a política macroeconômica com transparência e responsabilidade, optamos pela intervenção ad hoc no ambiente econômica. Seja via políticas fiscal e monetária, seja via empréstismos do Tesouro ao BNDES com o intuito de eleger campeões nacionais.

Esse quadro, puramente doméstico e fruto de uma opção de governo, confronta-se agora com o rebaixamento de rating e com a perspectiva de aumento dos juros americanos. Ambos atuam no sentido de retirar recursos do país. Logo agora, que o déficit em conta corrente atinge 3,6% do PIB, o maior em muitos anos. Logo agora que a poupança doméstica está em queda, atingindo cerca de 13% do PIB. Logo agora que precisamos urgentemente de investimentos em infraestrutura, para remover os gargalos que se amontoam sobre nossa economia. Logo agora, leitor.

Mas tudo o que é ruim pode piorar. A perspectiva de um apagão, dada a escassez de planejamento nos últimos anos e a insistência do governo com o populismo tarifário, pode gerar a tempestade perfeita para nossa economia, com graves repercussões sobre o crescimento e sobre a entrada de recursos. Nesse cenário, mais juros serão necessários para atrair capital, o que tende a piorar ainda mais o quadro. Houve uma volta a práticas que pareciam ter sido deixadas no passado. O rebaixamento de rating, nesse aspecto, é apenas o início.

Acaso o governo eleito esse ano não entenda que precisamos de um ajuste sério na política macroeconômica, bem como a aprovação urgente de reformas estruturais, estaremos em sérios apuros nos próximos anos. O baixo crescimento será acompanhado de inflação elevada e, o pior, uma crise de financiamento no balanço de pagamentos, dada a menor entrada de capitais. É, de fato, a volta a um passado que é mais rotina do que propriamente exceção na História brasileira. Nós queremos isso?

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