Os quatro espinhos da economia brasileira e as perspectivas para 2015

O final de 2014 tem sido marcado por espinhos na economia brasileira. Para começar, na semana passada o IBGE divulgou o resultado do PIB no terceiro trimestre: crescimento de 0,1% contra o 2º trimestre. No acumulado em quatro trimestres, a taxa de crescimento se reduziu pela metade, saindo de 1,4% até o 2º para 0,7% até o terceiro. Ao considerar o crescimento da população em torno de 1,1%, estamos falando de um crescimento negativo da renda per capita brasileira. Em outras palavras, leitor, tudo leva a crer que terminaremos 2014 mais pobres do que nele entramos. Quem dera, entretanto, que fosse apenas isso. Para além do PIB, há outros três graves espinhos - a questão fiscal, a inflação e o problema nas contas externas - gerados pelo ensaio heterodoxo dos últimos anos.

A inflação resistente, na linguagem do Banco Central, nos acompanhará durante muito tempo ainda. Mesmo que termine o ano abaixo de 6,5%, um número que por si só já é ruim, a desagregação dos índices por grupos de preços continua provocando arrepios em todos. Os serviços continuarão com inflação acima de 8% durante um bom tempo, bem como a maior parte dos preços livres continuará longe da meta de inflação - que é de 4,5%, nunca é demais lembrar. E isso assim será mesmo que agora - por que só agora, me pergunto - o Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central resolva "intensificar" o combate à inflação, com aumento de juros. Com pressões esperadas dos preços administrados - energia elétrica e combustíveis, principalmente - e do câmbio, o cenário para 2015 não é nada agradável para a inflação.

No campo fiscal, outro grave espinho: este, mais institucional. A aprovação do projeto de lei que modifica a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é um decisivo agravo à solidez fiscal, tão duramente conquistada no país de criatividade intensa na área. Tristeza maior, porém, foi ver a justificativa do deputado do PSOL, Ivan Valente, que votou pela aprovação, alegando ser contra a lei de responsabilidade fiscal, um objeto de interferência do Fundo Monetário Internacional no país. O deputado, que parece nunca ter lido um único livro de economia, representa milhões que pensam como ele - economistas, inclusive. Até hoje há as viúvas do "fora FMI", para quem não existe esse negócio neoliberal de restrição orçamentária. Triste, muito triste...

Por último, mas não menos importante, há o agravo externo. No acumulado em quatro trimestres, a poupança do país - diferença entre a renda nacional disponível bruta e a despesa de consumo final - chegou a míseros 12,83% do PIB. É, leitor, o menor valor para a série disponibilizada pelo IBGE, desde 2000. Com essa poupança minguada, não dá para financiar os 17,15% de investimento em relação ao PIB (sem a variação de estoques, o número é de 17,26%), logo é preciso recorrer ao financiamento do resto do mundo. Nessa mesma métrica, o uso de poupança externa - o simétrico ao que os economistas chamam de déficit em conta corrente - está em 4,32% do PIB. Um número apenas 0,49 ponto percentual menor do máximo déficit nessa série.

Para resolver o problema externo [reduzir o uso de financiamento externo], será preciso exportar mais do que importar, logo uma desvalorização cambial pode vir a calhar, na medida em que torna nossos produtos mais competitivos em relação a outros países. E, hoje, parece haver consenso que a pressão é mesmo por desvalorização, impedida apenas pelos swaps do Banco Central. O diabo, leitor, está nos detalhes: mais desvalorização cambial implica em maior pressão inflacionária, o que leva o Banco Central a continuar aumentando os juros. Mais juros, menos crescimento da economia, maior pressão nas contas públicas, já que a arrecadação depende do bom andamento do PIB. Ou seja, leitor, em uma casa cheia de buracos no teto, os baldes disponíveis em geral não são suficientes para conter as goteiras...

Os quatro espinhos da economia brasileira - baixo crescimento, inflação alta, problemas fiscais e externos - precisarão de tempo para serem equacionados. Primeiro, convocasse um economista ortodoxo para a Fazenda, depois gerasse transparência à estratégia que será utilizada no campo fiscal, bem como recuperasse os outros dois eixos do que ficou consagrado como tripé macroeconômico - as metas de inflação e o câmbio flutuante. Isso exigirá mais juros - o que o Banco Central está fazendo - e mais desvalorização, ao menos em um primeiro momento - o que ainda não foi feito. A inflação recuará apenas quando as expectativas de inflação melhorarem, enquanto o crescimento só virá quando os agentes acharem crível a nova equipe econômica e algumas reformas estruturais forem sinalizadas. Isso, mais crescimento e menos inflação, não ocorre antes de 2016, porque há muitos esqueletos no armário para serem digeridos pelo organismo econômico [preços administrados defasados, câmbio artificialmente valorizado, contabilidade criativa nas contas públicas, entraves na infraestrutura, etc.]. Ou seja, até lá os espinhos continuarão causando incômodo a todos, infelizmente. E eu nem falei do cenário externo desafiador, com o aumento dos juros norte-americanos e o menor crescimento da China...

 

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