Estabilidade de preços: objetivo central da política econômica.

Em post anterior procurei unificar, com base na moderna teoria econômica, visões diferentes sobre o processo inflacionário. Se no curto prazo a inflação pode ser causada por diferentes distúrbios, tais como desvalorização cambial, desvio de expectativas ou quebra de safras, no longo prazo ela é reflexo do que os economistas chamam de liquidez da economia. Ou seja, a relação entre meios de pagamentos e quantidade de transações comerciais e financeiras. Quanto maior for o  primeiro em relação ao segundo, maior será a probabilidade da inflação se mostrar em contínuo aumento. É esse raciocínio simples que dá origem ao que Milton Friedman classificou como fenômeno monetário, quando discorreu sobre o tema da inflação. Explicada a teoria, chega o momento de tratar das causas da inflação brasileira. Ela foi de 6,5% em 2011 e de 5,8% em 2012: bem acima do centro da meta. Isso a despeito do crescimento médio no período ter sido bem abaixo do potencial, de 1,8%. No presente post, busco identificar o papel do banco central na estabilidade de preços.

Inflação brasileira: aspectos conjunturais e estruturais.

Sem embargo, a inflação brasileira é um misto de conjuntura e estrutura. Na primeira estão colocadas todas aquelas complexidades tratadas em post anterior, enquanto na segunda está a ainda resistente indexação da economia, o que em português significa dizer que uma parte não desprezível dos preços de bens e serviços não flutua de acordo com a oferta e a demanda dos mesmos. A indexação significa que tais preços estão ancorados por índices, que são corrigidos sem se levar em conta nem a oferta, nem a demanda. Isso significa que uma parte da inflação brasileira é mesmo inercial, ou seja, a inflação de hoje é em parte explicada pela inflação de ontem, algo que faz parte da estrutura da economia brasileira e, portanto, não é impactada por medidas de política monetária. E isto explica, em parte, porque a inflação brasileira é historicamente maior do que a de seus pares. Para efeito de comparação, enquanto o centro da meta de inflação brasileira é de 4,5%, o do Chile e do México é de 3% - com margem de tolerância de 1%, enquanto a nossa é de 2%.

E aqui é importante explicar que em um regime de metas de inflação, esse valor [4,5%] serve como norte para o cálculo econômico dos agentes. Se, portanto, a política monetária é crível [tem credibilidade], os agentes usarão em seus cálculos esse valor de inflação futura. É claro que ela pode ser um pouco maior [ou menor], mas cabe a um Banco Central com credibilidade coordenar as expectativas dos agentes na direção desse ponto, do centro da meta. A flexibilidade do regime está nas bandas de tolerância. Elas servem para admitir, por exemplo, choques inesperados de oferta, como quebra de safras em alguns alimentos ou aumento de preços tidos como importantes, como petróleo.

Acima retomamos a equação do post anterior para melhor explicar os determinantes da inflação brasileira no período recente. A inercia comentada anteriormente entra no primeiro termo à direta. O segundo termo são as expectativas dos agentes em relação à inflação futura. Esse termo é influenciável por medidas de política monetária. Não apenas pelo aumento ou queda dos juros, mas principalmente pela credibilidade alcançada pela autoridade monetária ao longo dos anos. No gráfico abaixo vemos o comportamento do desvio dessas expectativas em relação à meta [de 4,5%] - quanto maior o desvio, menor [em tese] a confiança dos agentes em que a inflação seguirá para o centro da meta.

Observe, leitor, que dois períodos distintos no comportamento do desvio saltam aos olhos. Até 2008, elas são decrescentes, indicando que os agentes tendem a confiar que a meta de inflação será alcançada. A partir daí há um processo de aumento da desconfiança do mercado em relação ao cumprimento da meta, o que significa em aumento dos desvios entre expectativa de inflação e o centro da meta [de 4,5%]. Sendo as expectativas um importante canal de transmissão da política monetária, é um dado negativo que haja esse aumento do desvio.

O terceiro termo daquela equação é o que os economistas chamam de hiato do produto, que nada mais é do que a diferença entre o PIB efetivamente observado e o PIB potencial - aquele que seria alcançado caso "todos" os fatores [capital e trabalho] à disposição fossem alocados no processo produtivo.  Em assim sendo, quanto maior o hiato [mais positivo], maior será a pressão inflacionária. Como comentado em posts anteriores, o crescimento brasileiro está abaixo do potencial, logo esse termo tem contribuído de forma negativa para o processo inflacionário.

O quarto termo significa o efeito do câmbio sobre os preços. Isso ocorre porque uma parte dos produtos que consumimos são importados. Outra parte são insumos importados utilizados em grande parte dos produtos produzidos no país. Logo, caso ocorra uma desvalorização cambial, há um repasse para os índices de preços [chamado em economia de Pass-Through]. Isso significa que manter a taxa de câmbio acima de um determinado patamar, por exemplo 2,10 R$/US$, tem um custo em termos de inflação maior.

O último termo da equação são os choques de oferta que já foram enunciados. Eventos aleatórios, não esperados, podem atuar de forma negativa ou positiva sobre a inflação. Uma seca nos EUA, por exemplo, reduz a oferta de bens agrícolas, aumentando o índice de commodities internacionais, sendo repassado para os índices de preços atacado e, posteriormente, para os índices ao consumidor no Brasil. Uma safra recorde teria efeito contrário.

O papel da política econômica

Observa-se, nesse sentido, que não apenas o hiato do produto, isto é, o crescimento da economia, tem efeito sobre a inflação brasileira. Ela é composta por estrutura e conjuntura. Na primeira estão as coisas que a política monetária não controla e deve tomar como dado da economia brasileira. Na segunda estão os eventos sistemáticos que ocorrem sobre o organismo econômico. Alguns o Banco Central pode influenciar [caso das expectativas, do próprio hiato e mesmo do câmbio], outros pode reagir [caso dos choques de oferta].

É justamente nesse último ponto que é importante salientar o comportamento da autoridade monetária de um país. Ele possui enorme responsabilidade sobre o comportamento da inflação, na medida em que tanto pode influenciar suas causas quanto reagir a eventos não previsíveis. Um Banco Central conservador, por exemplo, reage a choques negativos de oferta, evitando maior variabilidade da inflação efetiva. Do contrário, um Banco Central mais flexível admite maior variabilidade da inflação em troca de menor impacto sobre o nível de atividade.

Nesse contexto, a despeito do crescimento brasileiro ter sido baixo nos últimos dois anos, entende-se que outros fatores contribuíram para que a inflação fechasse janeiro de 2013 em 6,15% em 12 meses. Em post anterior, eu discuti justamente esses outros fatores, dividindo-os em três blocos. Já aqui, minha argumentação vai em outra direção: ela busca ilustrar ao leitor que o objetivo central da política econômica não é o crescimento econômico, mas sim a estabilidade de preços.

A política monetária, afinal, não afeta variáveis reais no longo prazo. O crescimento econômico é causado por aumento do estoque da capital, emprego de maior quantidade de mão de obra com melhor qualidade e maior produtividade total dos fatores. O que a política monetária pode fazer é moderar os ciclos econômicos, fazendo com que o hiato do produto não  se abra em demasia, causando superqueciamento ou recessões abruptas.

Isso vale também para a política fiscal na medida em que ela deve sim ser utilizada para moderar o ciclo, na medida em que grandes recessões ocorrem. Mas em tempos normais de temperatura e pressão, o orçamento do governo deve ser equilibrado, afim de não gerar pressão aumento do endividamento público, ou emissão de moeda ou mesmo aumento de impostos em um futuro próximo. A política fiscal deve ser guiada com responsabilidade em tempos de paz.

Isto posto, chegamos a conclusão que a política econômica pode ser um fator gerador de mais ou menos incerteza no ambiente de negócios. Se o governo usa os instrumentos fiscais, monetários, cambiais, parafiscais que possui a todo o tempo deixa o empresário confuso sobre o que fazer. Para este é válida a pergunta: é melhor ser eficiente ou é mais eficiente estar perto do centro de decisão? Afinal, em um ambiente que prima por escolher os "campeões", mas vale ser amigo do Rei. É esse tipo de política econômica que vigorou, sem muito sucesso, ao longo das décadas  do Modelo de Substituição de Importações (MSI) e da hiperinflação: tudo, absolutamente tudo, era permitido aos condutores da política econômica.

Desse modo, eleger a estabilidade de preços como prioridade da política econômica é a forma que os muitos modelos das décadas de 80 e 90 observaram ser a forma mais pragmática de ação dos governos. Evita-se interferências desnecessárias que só geram desconfiança, aumento da aversão a risco, incerteza e, consequentemente, menor investimento. Eu diria, baseado nisso, que o governo atual erra a mão ao tentar promover a um só tempo três objetivos: mais crescimento, menos inflação e câmbio fixo. Como se vê, dadas as constantes interferências na política econômica [fiscal, monetária, creditícia, cambial e parafiscal], ele não tem obtido sucesso em nenhuma. O tempo é, portanto, de rever o objetivo central do regime de política econômica brasileira, antes que seja tarde demais.

 

 

 

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