A política econômica brasileira sofre clara inflexão com a crise atual. Se no período de 2003 a 2007 ela tem como meta-síntese a busca por credibilidade, já agora sua principal função é servir como âncora de maior crescimento. Isto significa implicitamente que saímos de um regime de metas de inflação estrito, onde é buscado o centro do intervalo de variação do IPCA, para um modelo um tanto quanto mais flexível. Neste a inflação pode ir até 6,5% em termos anuais, a taxa de câmbio oscila entre 2,0 R$/US$ e 2,10 R$/US$ e o crescimento perseguido deve ser de no mínimo 4%. Tal equilíbrio é possível?
No curto prazo sim. A economia brasileira pode a partir do quarto trimestre experimentar maior crescimento, com inflação dentro do limite superior e taxa de câmbio naquela faixa de variação. No médio prazo não, posto que a História mostra que ao primeiro sinal de maior crescimento, o descompasso entre oferta e demanda aumenta, gerando pressão inflacionária. Será especificamente nesse momento que veremos o comprometimento do Banco Central com o regime de metas. Isto porque será necessário elevar os juros básicos.
Nesse contexto, a pauta atual em termos de política monetária brasileira é a passagem de uma versão estrita do regime de metas para uma versão digamos mais soft. Naquele a ideia era justamente a necessidade de conquistar credibilidade. E isso em termos de política monetária é alcançado com vários arranjos e de muitos modos. O Brasil preferiu manter um banqueiro central conservador em termos de inflação, ou seja, que aciona os instrumentos toda vez que vislumbra uma aceleração inflacionária no horizonte.
Já na versão mais soft que vai sendo experimentada, o Banco Central pratica uma política monetária contra cíclica, dados os problemas na economia internacional. Isso só é possível porque acumulamos quase US$ 400 bilhões ao longo dos últimos anos, praticamente retiramos o indexador cambial da dívida interna e reduzimos a dívida líquida do setor público – algo simbolicamente reconhecimento pelo mercado com o grau de investimento. Tal versão do regime de metas, reconhecida em grande parte da literatura, é sustentável em uma economia onde os fundamentos são extremamente orientados para o aumento do que chamamos de produto potencial.
A teoria da política monetária exige que em um regime mais flexível de metas de inflação, onde os instrumentos reagem anticiclicamente em resposta a um choque no nível de atividade, os fundamentos estejam azeitados. Isso significa que uma vez que a política monetária seja expansionista, haverá aumento dos componentes da demanda – notadamente Consumo das Famílias e Importações. Para que haja elevação do Investimento, que gera demanda no curto prazo e aumenta a oferta no médio e longo prazo, duas coisas básicas são observados pelo empresário: i) o custo de oportunidade (a taxa de juros) deve ser menor que a taxa de retorno esperada pelo projeto; ii) haja expectativa de que o projeto gere um fluxo de renda contínuo ao longo do tempo. Se esses dois itens forem satisfeitos, o empresário espera que o investimento será pago e, então, ele o faz. Do contrário, não investe no aumento da capacidade, e o choque de demanda (aumento de consumo) gera apenas aumento de preços.
Além disso, há outro complicador. Como vivemos em uma economia aberta, parte do Consumo estimulado pela política monetária expansionista é atendida por produtos importados, que concorrem diretamente com a produção nacional. Se tais produtos forem mais competitivos (tiverem menores preços e maior qualidade), acabam seduzindo o cliente e frustrando as expectativas do empresariado local. Desse modo, não se condena o uso de política monetária anticíclica. Pelo contrário, ela é um importante instrumento de suavização do ciclo econômico.
A questão central é que um regime mais flexível de metas de inflação exige maior comprometimento com reformas estruturais. Estas atuando diretamente sobre as limitações do ambiente de negócios brasileiro ajudam a manter a taxa de juros em linha com o padrão internacional. Sem elas, juros reais baixos têm cedo ou tarde como resíduos a aceleração inflacionária e o aumento do déficit em conta corrente.
Em assim sendo, se o Brasil quer praticar um novo mix de política econômica, isto é, adotar um regime de metas mais flexível, deve implicitamente: i) praticar uma política fiscal mais austera, reduzindo gastos correntes e perseguindo uma reforma tributária horizontal; ii) perseguir consenso político para dar cabo aquelas reformas estruturais há tanto tempo esperadas pelo empresariado. Sem essas condições sendo satisfeitas, a manutenção de juros reais baixos é insustentável em um prazo mais dilatado do tempo.