O Banco Central deve baixar os juros?

Um dos temas da conjuntura mais discutidos no momento é se o Banco Central vai ou não começar a reduzir juros ainda esse ano. Há argumentos para os dois lados. Os que observam espaço para redução citam, em geral, a elevada ociosidade da economia, refletida principalmente pelo elevado desemprego do fator trabalho. Já os que advogam pela manutenção da taxa de juros no atual patamar citam a ainda lenta convergência da inflação, como pode ser visto no gráfico abaixo.

grafico01

Há alguns fatores "estruturais" que explicam essa reticência na queda da inflação. Como discutido mais detalhadamente aqui, a manutenção de inflação sempre acima da meta (que é de 4,5%) no período recente foi decisivo para causar uma desancoragem das expectativas, o que por sua vez fez aumentar a inércia inflacionária. Isso tem efeito direto sobre a resistência do aumento de preços, isto é, para desinflacionar a economia é preciso uma abertura do hiato do produto maior.

Para além dessas questões, há um uma resistência maior advinda do grupo alimentos e bebidas. A inflação nesse grupo era de 6,31% a.a. em fevereiro de 2014 e passou para 13,91% a.a. em agosto desse ano. O gráfico abaixo ilustra o processo.

grafico02

Esses problemas se somam à questão fiscal. O Brasil, afinal, saiu de um superávit primário entre 2% e 2,5% do PIB para um déficit primário de mesmo montante. Isso tem impacto direto sobre o trabalho do Banco Central de querer fazer convergir a inflação para a meta. E até o momento não parece ser algo, nem de longe, equacionado.

A Curva de Reação do Banco Central

Isso dito, chamo atenção para uma mudança de postura da atual diretoria em relação à anterior no que tange ao maior peso dado às expectativas de inflação. Fato, aliás, já registrado nesse espaço aqui. Nesse modelo, chamado de Inflation Forecast Targeting, o Banco Central ajusta o instrumento de política monetária de modo a garantir a convergência entre suas projeções de inflação e a meta previamente definida. Em outras palavras, o Banco Central observa as expectativas como uma meta intermediária à convergência da inflação.

Em termos empíricos, é mesmo o caso? Isto é, de fato, o Banco Central reage a desvios entre expectativas de inflação e meta? Para ilustrar, vamos considerar uma Curva de Reação como abaixo 

(1)   \begin{equation*}i_{t} = \beta_{0} + \beta_{1}i_{t-1} + \beta_{2}i_{t-2} + \beta_{3}(E_{t}\pi_{t+1} - \pi_{t}^M) + h_{t} + \varepsilon_{t}\end{equation*}

Nesses termos, toda vez que as expectativas de inflação, E_{t}\pi_{t+1}, se distanciam da meta, o Banco Central eleva a taxa de juros.

Usando a taxa Selic, o PIB mensal do IBRE/FGV, a meta de inflação e as expectativas de inflação 12 meses à frente, nós de fato podemos estimar (1) para ver se essa hipótese é aderante aos fatos.

grafico03

Com base nesses dados, nós estimamos (1). A tabela abaixo resume a estimativa.

Curva de Reação do Banco Central
Dependent variable:
SELIC
lag(SELIC, -1) 1.647***
(0.060)
lag(SELIC, -2) -0.654***
(0.060)
DESVIO 0.042**
(0.019)
lag(HIATO, -1) 0.033***
(0.008)
Constant 0.048
(0.058)
Observations 149
R2 0.997
Adjusted R2 0.997
Residual Std. Error 0.167 (df = 144)
F Statistic 13,666.310*** (df = 4; 144)
Note: *p<0.1; **p<0.05; ***p<0.01

Observa-se que o coeficiente do desvio é, de fato, positivo e estatisticamente significativo. A evidência diz que o Banco Central reage a desvios entre expectativas de inflação e meta. Se for, desse modo, uma opção dessa diretoria dar maior peso às expectativas, poderíamos nos guiar por elas para saber se há nesse momento espaço para algum corte de juros em 2016.

top5

Os gráficos acima mostram as expectativas diárias de inflação do TOP5, pelos três rankings disponíveis no boletim Focus, ao longo desse ano para 2017. Há, por suposto, um claro recuo nas projeções de inflação para o próximo ano. Elas, entretanto, ainda se situam acima de 5% a.a., o que não sugere, ao menos por enquanto, uma convergência da inflação efetiva para a meta (de 4,5%).

Não se autoriza, portanto, uma redução da taxa de juros nesse momento, por essa via. Alguma cautela adicional deveria acompanhar as próximas decisões do Banco Central. Isto porque, se o problema fiscal não for minimamente equacionado, corre-se o risco de o Banco Central ter de voltar atrás na redução da taxa de juros, o que corroeria todo o trabalho feito até aqui. O mais coerente, por suposto, dada a comunicação feita até aqui, seria aguardar uma redução um pouco maior das expectativas, assim como uma sinalização mais clara sobre o caos fiscal.

A ver qual caminho o Banco Central irá tomar...

Compartilhe esse artigo

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Email
Print

Comente o que achou desse artigo

Outros artigos relacionados

Como Criar um Agente de IA Econometrista

Criar um Agente de IA Econometrista envolve construir um sistema autônomo capaz de entender uma solicitação em linguagem natural, buscar dados econômicos, realizar análises e aplicar modelos econométricos para entregar uma resposta completa. A abordagem mais eficaz é estruturar o sistema em múltiplos agentes especializados, cada um com um papel definido, que colaboram para resolver a tarefa. Neste post abordamos o desenvolvimento deste sistema de IA com Python.

Como criar um Agente de IA analista de dados

Agentes de IA podem automatizar a coleta, tratamento e análise de indicadores econômicos, entregando insights prontos para a tomada de decisão. Combinando modelos de linguagem (LLM) avançados com ferramentas de acesso a dados, é possível construir soluções que buscam informações em tempo real e as processam de forma autônoma. Neste post mostramos uma visão geral sobre como isso tudo funciona.

O que é e como funcionam Sistemas Multi-Agentes

Sistemas multi-agentes (MAS) representam uma nova forma de estruturar aplicações de inteligência artificial, especialmente úteis para lidar com problemas complexos e distribuídos. Em vez de depender de um único agente generalista, esses sistemas são compostos por múltiplos agentes especializados que colaboram, competem ou se coordenam para executar tarefas específicas. Neste post, explicamos o que são os MAS, seus principais componentes (como LLMs, ferramentas e processos) e as arquiteturas mais comuns.

Boletim AM

Receba diretamente em seu e-mail gratuitamente nossas promoções especiais e conteúdos exclusivos sobre Análise de Dados!

Boletim AM

Receba diretamente em seu e-mail gratuitamente nossas promoções especiais e conteúdos exclusivos sobre Análise de Dados!

como podemos ajudar?

Preencha os seus dados abaixo e fale conosco no WhatsApp

Boletim AM

Preencha o formulário abaixo para receber nossos boletins semanais diretamente em seu e-mail.